quarta-feira, junho 10, 2020

(EdH) Colónia Dignidad, uma seita alemã no Chile: II - o medo do comunismo


Na década de sessenta, e após alguns anos de muito trabalho, a colónia Dignidad, que o pregador alemão Paul Schafer fundara numa região recôndita do Chile, prosperou e, para aqueles que a viram como uma instituição-modelo, só merecia elogios. As autoridades da Alemanha Ocidental acreditaram que os trezentos compatriotas emigrados para o Hemisfério Sul o tinham feito de livre vontade, não se interessando pelos casos de crianças e adolescentes, cujos pais forçaram a nela se inserirem, crentes de se tratar de obra religiosa a contento dos seus rígidos valores morais. Não imaginavam, que esses miúdos seriam forçados a passar as noites com o seu «benfeitor» e a sofrer-lhe as agressões sexuais.

O governo chileno também viu com bons olhos a Colónia que lhe poupava os investimentos na saúde dos camponeses das redondezas, amiúde sujeitos a cuidados médicos gratuitos no hospital ali instalado. Daí que, como retribuição, isentou a Colónia de impostos ou de taxas alfandegárias.
A situação poderia ter-se alterado, quando, após algumas tentativas falhadas, uns miúdos fugiram do latifúndio e revelaram o que ali tinham sofrido. Porém, desvalorizando-lhes as denúncias, quer a polícia local, quer a Embaixada alemã em Santiago, negaram-lhes o esperado apoio devolvendo-os ao criminoso, que os castigou violentamente de forma a servirem de exemplo aos que os tentassem imitar.
Outro momento de viragem, que não se confirmou, aconteceu quando Schafer ficou seriamente ferido num acidente de caça e, durante semanas, ficou entre a vida e a morte. A contragosto as vítimas foram obrigadas a multiplicarem orações pela sua recuperação, apesar de muitas delas desejarem ardentemente o contrário.
Separados os homens das mulheres, mesmo quando eram oficialmente casados, muitos dos cooperantes deprimiram, alguns tentando até o suicídio. No entanto, acolitado por um número significativo de lugares-tenentes motivados para ali manterem a ordem e a total incomunicabilidade dos colonos com o exterior, Schafer não viu ameaçada a terrível ditadura de que se fizera mestre absoluto.
Ocorreram, então, as eleições presidenciais de 3 de novembro de 1970 com Salvador Allende a vencê-las e a promessa de, imediatamente, lançar um ambicioso programa de nacionalizações. Temendo ver-se desapossado das terras onde implantara a colónia, Schafer entrou rapidamente em contacto com a guerrilha clandestina de extrema-direita - o movimento Patria y Libertad - que prontamente criou ali a sede donde preparou os muitos atentados destinados a sabotar a economia chilena.  Roberto Thieme, o líder fascista, tinha origem alemã e tornou-se no melhor amigo de Schafer, entretanto decidido a isolar ainda mais a propriedade, mandando construir muros e vedações, sem esquecer as torres de vigia para controlar quaisquer aproximações inimigas ou deserções dentro do seu próprio campo.
Os amigos, que mantinha na Alemanha puseram-no em contacto com um antigo SS, reciclado em traficante de armas, que o abasteceu com todo o tipo de equipamento militar, prontamente transferido para o movimento fascista. Confiante na proteção alfandegária, que dispensava inspeções às cargas vindas da Europa para a colónia, ele tornou-se num dos principais conspiradores contra o governo socialista, até por ter criado na colónia uma linha de produção de armamento destinadas aos mesmos «clientes».
Antes mesmo do golpe de 11 de setembro de 1973 alguns jovens colonos serviram de cobaias para as torturas com choques elétricas futuramente aplicadas a prisioneiros políticos.
Numa escalada imparável a colónia modelo moldava-se à dimensão do mais terrível dos infernos.

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