domingo, junho 07, 2020

(EdH) Colónia Dignidad, uma seita alemã no Chile: I - antes de Allende chegar a presidente


Durou mais de quarenta anos uma das mais sinistras histórias relacionadas com a emigração alemã para o Chile em que, a coberto de uma aldeia modelo numa zona pouco povoada do país andino, reinou um ambiente de terror. Colonia Dignidad, assim se chamava essa propriedade, recebeu trezentos alemães liderados por um oportunista, Paul Schafer, que, sem qualquer formação teológica, se apresentava como pregador. Nessa Terra Prometida para onde arrastou os mais entusiastas dos seus seguidores, instituiu um corte total com o mundo exterior, não deixando aí entrar jornais, nem rádio, nem televisão, para melhor os manter num limbo parado no tempo e no espaço.
Começando a pregar na minúscula paróquia protestante de Grotow, mudou-se para Heide, na Renânia, onde, pela primeira vez, começou a sussurrar-se quanto ao seu hábito de, todas as noites, levar um dos jovens acólitos para o quarto a fim de com ele «dormir». Essa realidade não obstou a que, em 1960, quando aí fundou a Casa dos Jovens as autoridades federais e locais tenham comparecido ao convite e as próprias televisões transmitiram a cerimónia de inauguração.
Não tardou que a fama de predador sexual começasse a ser-lhe associada, levando-o a procurar sítio alternativo para transferir-se com a sua comunidade. Israel foi uma possibilidade, que depressa se gorou, surgindo-lhe o Chile como alternativa tanto mais que o seu embaixador visitara a Casa de Heide e ficara entusiasmado com o que vira. Ademais, num país acabado de passar pela terrível experiência de um dos mais violentos terramotos de sempre, a emigração de três centenas de alemães constituía promissor sinal para quem acreditasse em auspícios inexplicáveis. O governo chileno atribui-lhe a concessão de uma vasta extensão a 350 quilómetros da capital e com a aldeia mais próxima a dezassete. Se pretendia garantir a impunidade para os seus instintos de agressor sexual, Schafer viu naquela proposta a solução para os mais inconfessáveis anseios.
Não lhe foi difícil convencer quem o acompanhasse: em plena guerra fria o iminente conflito entre comunistas e ocidentais parecia uma certeza. O Muro não tardaria a ser levantado para dividir mais ostensivamente as duas Alemanhas. Ademais, os que acreditavam nos seus discursos, assumiam a lógica do trabalho equivaler a servir Deus, aceitando sem rebuços que as crianças fossem, á partida separadas dos pais, para que estes as não contaminassem com a sua «mente pecaminosa». Era quanto bastava para ver facilitada a quotidiana violação dos rapazes entregues ao Centro Infantil.
Economicamente a Colonia progrediu com a Central de Gravilha, que abasteceu um país por reconstruir dos escombros acumulados durante o terramoto, ganhando prestígio junto dos camponeses da vizinhança graças ao hospital onde os tratava gratuitamente.
Ciente da importância de cair nas boas graças das autoridades, Schafer conseguiu que o governo chileno reconhecesse a colónia como entidade de utilidade pública isentando-a de impostos ou de taxas alfandegárias.

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