sábado, junho 27, 2020

(DIM) «A Estrada do Tabaco» de John Ford


Não fosse a Cinemateca programar o filme para a noite de 6 de julho, exibindo-o na Esplanada às 22 horas e continuaria a não dar atenção a este filme que John Ford rodou em 1941, dois anos depois de As Vinhas da Ira e do qual se diz constituir um estranho contraponto. A srª Ford detestava-o e a crítica considerava-o um dos maiores fracassos da filmografia do realizador.
Li o livro de Erskine Caldwell há uns bons cinquenta anos, quando a coleção Dois Mundos dos Livros do Brasil era para ser lida de fio a pavio. A exemplo de Steinbeck, Pearl Buck, Malaparte e outros, de que me lembraria se continuasse a puxar pela memória, Caldwell era dos autores mais requisitados por aquele editor. Mas confesso que já pouco retenho da experiência: foi daquelas leituras, que entretiveram durante umas horas, mas depressa esquecidas em proveito de outras bem mais gratificantes.
Ford aceitou este projeto, imposto por Selznick, fiado no sucesso comercial inerente a transpor para filme uma peça na Broadway aí em cena desde 1933. A adaptação do romance fora entregue ao competente Nunnally Johnson e podia retomar a abordagem da dura vida dos camponeses do Sul dos EUA - neste caso num recanto da Geórgia à beira do rio Savannah -, que guardavam a saudade dos dias das fartas colheitas de algodão ou tabaco.
Para os Lester, família liderada pelo patriarca Jesper, rodeado dos dezoito filhos e suas proles, a esperança reside no regresso à região do capitão Tim, seu senhorio. Em tempos era o pai quem potenciava o desenvolvimento de toda a região mas ele vem tão falido como eles, entregando aos bancos as suas terras e as arrendadas. É o banco proprietário da sua quinta quem impõe aos Lester o ultimato: ou pagam cem dólares de renda nos próximos três dias ou são expulsos.
Mas se adaptação do romance de Steinbeck constituíra um forte libelo anticapitalista, A Estrada do Tabaco justifica que, pensando num célebre título de Almodovar, um crítico francês lhe tenha sugerido como título alternativo  «Campónios à Beira de um Ataque de Nervos».
Por isso este é um filme em que muito se grita, tornando caricaturais os personagens, que assumem um tom trágico-burlesco algo paradoxal.  Tanto mais que falam com um  sotaque justificativo de se necessitarem das legendas para melhor compreender o que dizem entre si. Há a religiosa que canta salmos da manhã à noite, o idiota da família que adora imitar a buzina dos carros ou a rapariga meio selvagem de sensualidade instintiva. Quem desempenha este último papel secundário é a jovem  Gene Tierney, então com vinte e um anos e a tirocinar para vir a tornar-se num dos rostos marcantes do cinema norte-americano das duas décadas seguintes.
A Estrada de Tabaco conta, aliás, com um elenco surpreendente porque, aos atores principais pouco conhecidos - Charles Grapewin, Elizabeth Patterson, Marjorie Rambeau ou William Tracy - acrescenta alguns secundários bastante mais conceituados: além da futura Laura por lá aparecem igualmente Dana Andrews ou Ward Bond.
O final é o expectável: os bancos prevalecem sobre os pobres e o casal de velhos despede-se dos filhos para se alojar no derradeiro sítio onde têm um espaço à sua espera: um asilo para outros da sua igualha.
Quanto a John Ford, despachada a encomenda, dedicou-se a obra bem mais de acordo com  o que mais desejava: no mesmo ano assina o aliciante O Vale era Verde.

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