terça-feira, junho 16, 2020

(DIM) Robert Mitchum e a arte de ser quem era


Se há episódio, que define a personalidade de Robert Mitchum, o da comparência perante a Comissão McCarthy é o mais eloquente. Quem se vira nos mesmos tormentos tivera uma de três reações: ou exilara-se (casos de Chaplin ou Losey), delatara (como ocorreu com Elia Kazan) ou escusara-se a tal e fora metido na prisão (Dalton Trumbo).
Mitchum não deu sequer oportunidade para isso. Perante os senadores, e questionado sobre os amigos com simpatias comunistas, disse: “Tenho poucos princípios na vida, mas há um de que não abdico: não perder tempo a falar com pessoas com quem não tenha grande vontade de beber um copo. Portanto, caros senhores, viram-me, ouviram-me, sabem onde vivo. Portanto, adeus!” Levantou-se e foi-se embora,
Talvez os inquiridores tenham ficado tão seriamente desconcertados, que decidiram deixar as coisas ficarem por aí. Mas também pode tê-los desmotivado a conhecida amizade de Mitchum com o milionário Howard Hughes, cujo anticomunismo primário poderia servir-lhe de escudo protetor na circunstância. Como o fora em 1948 quando, preso pela posse de marijuana, Mitchum cumpriu quase dois meses de cadeia.
Desde cedo que veio ao de cima a sua personalidade rebelde: na escola, quer quando vivia com a mãe e o padrasto na Carolina do Sul, quer depois com a irmã em Nova Iorque, foi diversas vezes expulso das escolas devido a reiterado mau comportamento.
Aos catorze anos fugiu de casa e andou a vagabundear pela América profunda, acabando preso por na Georgia. Foi nessa altura que conheceu Dorothy: ela tinha 14 anos, ele 16, e só a morte os separaria quando o cancro o levou em 1997.
A mudança da irmã para Long Beach permitiu-lhe o primeiro contacto com os palcos teatrais, porque ela tentava neles a sorte como atriz amadora. Mas o casamento e o aparecimento dos primeiros filhos obrigou-o a procurar emprego regular numa fábrica, que constituiu uma da piores experiências da sua vida. Logo se viu contratado para cowboyadas da série Hopalong Cassidy, trabalhando ininterruptamente numa sucessão de títulos merecedores do esquecimento em que caíram. Mas só no ano de 1943 participou em 17 deles, porque a robustez física e a voz de baixo barítono pareciam talhá-lo para os papéis de vilão.
Depressa sobressaiu as notáveis características que lhe mereceriam o apreço de muitos realizadores: a memória prodigiosa, que o levava a decorar os diálogos numa breve leitura e uma interpretação convincente em que os papéis pareciam adaptar-se a si em vez de acontecer o contrário.
Em 1947, quando Jacques Tourneur o fez contracenar com Kirk Douglas em O Arrependido, temeu-se o pior: este vinha do célebre Actor’s Sudio de Lee Strasberg, dotado das técnicas conferidas pelo tão conhecido Método do encenador. Mitchum, pelo contrário, descartava qualquer orientação desse tipo, por considera-la tão absurda como alguém ir à escola para aprender a ser alto. E, para espanto de quem participou na rodagem, Mitchum e Douglas complementaram-se às mil maravilhas.
Não se estranha que tenha ficado conhecido como aquele que não atuava, porque limitava-se a ser ele próprio no que interpretava.

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