sábado, junho 20, 2020

(DIM) «A Prisão» de Ingmar Bergman (1949)


Em 1948 Porto de Abrigo constituiu um razoável sucesso e Lorens Marmstedt, produtor ousado ainda que sem muito dinheiro disponível, convidou Bergman a realizar um filme em condições diferentes das impostas pela Svensk Filmindustri: não só lhe daria total liberdade para escolher ou criar o argumento como para a subsequente concretização.
Numas breves férias na cabana em Dalecarlia onde costumava passar os verões em criança, Bergman começou a construir a intriga para o novo filme nela associando um conto escrito no ano anterior sobre o calvário de uma jovem prostituta.
No prólogo um velho professor visita um antigo aluno, agora realizador de cinema, a quem propõe um tema para o filme seguinte: o Inferno tomou conta do planeta e condiciona a vida de todos quantos nele vivem.
Não levando a sério a tese, que atribui a uma psique perturbada, Martin irá testemunhar acontecimentos que o farão vacilar e ponderar até que ponto o ancião tem ou não razão. Por exemplo com um casal amigo, em que ele, Thomas, é escritor e acabara de entrevistar a jovem Birgitta Carolina. Apesar de trabalhar nos Grandes Armazéns, ela complementa os rendimentos com o exercício descomplexado da prostituição, que lhe permite sustentar Peter, o amante/proxeneta.
Vivendo com Sofi, Thomas não se sente satisfeito com a vida e, numa noite de copos a mais, propõe que partilhem o suicídio. Indignada ela parte-lhe uma garrafa na cabeça e foge-lhe.
Abandonado ele reencontra Birgitta, que estava a viver uma terrível experiência: dando à luz um bebé, sofrera as pressões de Peter e da irmã deste, para dele se descartar. Em pesadelos obsessivos anda a rever o afogamento do filho na banheira, acordando Thomas, que com ela passou a viver no quarto de uma pensão onde residira quando criança.
Num filme dentro do filme, Thomas dá-lhe a conhecer um dos poucos momentos de descontraído alegria, ao mostrar-lhe um filme mudo de recorte chaplinesco em que a morte anda atrás de um polícia, de um ladrão e de um desconsolado protagonista fadado a ver os sonos sucessivamente perturbados pelas correrias dos outros personagens.
Se até então já encontráramos muitos temas tipicamente bergmanianos - as noções do bem e do mal, os desencontros no casal, a exploração da inocência das jovens raparigas por homens sem escrúpulos - esses minutos remetem para a sequência de Fanny e Alexander em que Bergman evoca o fascínio nele suscitado pela lanterna mágica quando era um miúdo. As imagens em movimento como passado que Bergman sempre gosta de revisitar.
O melodrama evolui de acordo com o pretendido pelo realizador: ora exageradamente sentimental, ora sobre ele prevalecendo uma genuína sensibilidade.
Birgitta Carolina não consegue livrar-se da manipulação crapulosa de Peter e da irmã que, perante a descoberta do cadáver do feto, gizam uma estratégia perversa para se ilibarem e fazerem com que a rapariga arque com as culpas pelo crime. Numa deriva para o precipício ela acaba por suicidar-se depois de violada por um cliente para cujos braços Peter a empurrara.
Prisão tem a ver com a impossibilidade do amor, a presença constante da morte, a dureza do quotidiano contra cujas dinâmicas dificilmente se consegue resistir e a importância do inconsciente. Temas sobre os quais Bergman multiplicaria ulteriores variações, sempre mais complexas e profundas.
Quando se chega ao fim põe-se a questão: o velho professor teria, de facto, razão? Apesar do inferno por que passa Birgitta, justifica-se a resposta negativa: porque o inferno na Terra implicaria perguntas concretas, que a realidade dispensa, tão óbvias são as respostas por ela facultadas...

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