quinta-feira, junho 11, 2020

(DIM) «Vaghe stelle dell'Orsa » de Luchino Visconti (1965)


Há obras que convêm ser divulgadas tal qual ficaram conhecidas na língua original. Veja-se o mau gosto dos franceses que deram a Vaghe Stelle dell’Orsa o insípido nome de Sandra e perderam o sentido poético dos versos de Leopardi, que designa o projeto de autobiografia do personagem Gianni e o título efetivo para este belo, e injustificadamente esquecido, filme de Luchino Visconti.
Após o sucesso de O Leopardo, Franco Cristaldi incumbiu Visconti de preparar um novo filme, que potenciasse a atriz com quem estava casado. Com a ajuda de Enrico Medioli e da notável Suso Cecchi d’Amico, o realizador preparou uma intriga onde se veria atualizada o mito de Electra e de Orestes, não esquecendo Climnestra e Egisto.
Após a cosmopolita Genebra, Sandra e o marido americano, Andrew, atravessam os Alpes para chegarem a Volterra, aldeia provinciana, parada no tempo. Preparava-se aí uma homenagem ao pai, um intelectual judeu morto em Auschwitz, que daria o nome ao novo jardim municipal instalado no que fora o parque do palácio onde ela nascera e crescera. A chegada do irmão, Gianni, irá complexificar a intriga, porque é ele quem conjetura a forte probabilidade de ter sido a mãe de ambos e o respetivo amante - entretanto seu segundo esposo - a denunciarem Luzzati aos nazis para dele mais facilmente se livrarem.
Num espaço familiar estagnado os diálogos estão cheios de subentendidos com a figura patética da mãe pianista a afundar-se na sua loucura.
Andrew, o único a olhar para tudo aquilo com a inocência da ignorância, decide organizar um frente-a-frente familiar para esclarecer as suspeições. Mas uma constatação o irá assombrar: entre Sandra e Gianni existira uma relação incestuosa, que o cunhado pretende reavivar. Mais, ameaça a irmã de vir a suicidar-se se ela ali não ficar com ele. Mas Sandra descarta a ameaça e decide voltar aos EUA para onde Andrew já voltara.
Nas entrevistas da época Visconti assumira a vontade de abordar o incesto como derradeiro tabu sexual a derrubar e propicia interpretações irrepreensíveis: há quem defenda ter sido este o filme em que Claudia Cardinale melhor demonstrou o seu talento, com o olhar felino a enfrentar um passado em que não se quer voltar a enredar e onde os penteados remetem, amiúde, para a estatuária da Antiguidade grega.
A fotografia de Armando Nannuzzi cumpre plenamente os objetivos de Visconti ao vincar os contrastes entre a luz e a sombra ou a ilustrar os ambientes fantasmagóricos da narrativa.
Num filme em que as revelações vão-se explicitando a conta gotas propõe-se um mergulho lento e sem contemplações num passado nebuloso em que a dor se agudiza à medida que o pântano parece atolar quem nele se arrisca...
Faltará acrescer que Vaghe Stelle dell’Orsa foi o grande vencedor do Festival de Veneza de 1965.

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