sábado, junho 20, 2020

(DIM) Buddy, Buddy - Os Amigos da Onça (1981) de Billy Wilder


Há filmes notoriamente maus, mas cuja fruição pode ser interessante para entendermos as razões do seu fracasso. Não se trata de exercício aconselhável à grande generalidade dos  maus filmes, mas só a alguns que, à partida, poderiam conter motivos de sobra para serem bem sucedidos.
Nesse sentido a exibição de Buddy Buddy em duas das primeira sessões da Cinemateca, quando reabrir no início de Julho - passa na Sala Félix Ribeiro no dia 2 às 19 horas e no dia 9 às 22 na Esplanada - merece esse exercício. Porque se trata da última das vinte seis longas metragens assinadas por Billy Wilder e é protagonizada por dois atores estimáveis, como foram Jack Lemmon e Walter Matthau. Acresce que a versão original, com Lino Ventura a fazer de assassino a soldo e Jacques Brel enquanto seu incómodo vizinho de hotel, fora um enorme sucesso do cinema francês, que os produtores julgavam poder replicar além-Atlântico.
E, no entanto, Bertrand Tavernier considerá-lo-ia um filme supérfluo na filmografia de Wilder, que contou com duas dezenas de obras admiráveis, uma das quais, Fedora, bem deveria ter-se quedado como o seu definitivo testamento cinematográfico.
Acontece que Buddy Buddy surgiu como corolário de uma sucessão de caóticas produções, de fracassos públicos e da crítica (ainda que em muitos casos imerecidos), que fez Wilder perder a sagacidade com que sempre agira em Hollywood, pressentindo, amiúde, as receitas do sucesso.
Quando Billy Wilder e o seu habitual argumentista, I.A.L. Diamond, foram convidados a rodar a versão norte-americana de L’Emmerdeur tinham visto fracassar diversos projetos e ansiavam por retomar a ação. Numa entrevista Wilder confessou que sentia-se parado, ansioso por voltar a fazer aquilo que mais gostava: escrever e dirigir uma rodagem.  Ainda que não se tratasse de história, que colhesse a sua preferência, viu o filme francês numa sexta-feira, depois do produtor Jay Weston tê-lo mostrado a Lemmon na terça e a Matthau na quinta. Nessa mesma noite de sexta-feira o projeto estava lançado.
Wilder sentia algum conforto no reencontro com os dois atores principais, que se tinham tornado quase inseparáveis desde Como ganhar um milhão (1966). Mas a dupla tornara-se obsoleta com a evolução de valores e costumes dos anos 70, dando aos espectadores a noção de lhes ser sugerida uma enésima versão rotineira e patética de algo já gasto.  Diamond reconheceria depois que a bilheteira teria sido bem mais farta se, em vez de Lemmon e Matthau, tivessem optado por Dan Ackroyd e John Belushi, então aureolados com o sucesso dos Blue Brothers.
A obsolescência de valores também se cristaliza no facto de Billy Wilder sempre ter sido um moralista  apostado em caracterizar os personagens masculinos, não de acordo com o que eram de facto, mas como deveriam ser. Mas Buddy Buddy pretende situar-se em contraponto com essa regra costumeira: Victor Clooney (Jack Lemmon) é um puritano, que olha para os hippies com a sobranceria ultrajada de quem se vê agredido pela sua simples visão, mas constata-lhes o sucesso quando oferecem charros a polícias por estarem a comemorar o nascimento do filho de um deles.
À força de quererem colar-se a uma época, que lhes escapava ao entendimento, Wilder e Diamond caem na caricatura, que chega à dimensão da mais comprometedora vulgaridade - afinal tão distante da capacidade de suscitarem a comédia através dos subentendidos e do que deixavam implícito. Não haveria necessidade de Clooney chegar à clínica onde lhe prometiam a resolução dos problemas conjugais e dar com uma conferência do professor Zuckerbrot sobre a ejaculação precoce. Klaus Kinski, que interpretou esse personagem com o seu habitual estilo de se marimbar para tudo e todos, escreveu no seu diário: “Esta merda hollywoodesca com Billy Wilder acabou. Graças a Deus! Ninguém de fora pode imaginar a estupidez , a cretinice, a histeria, o autoritarismo e o tédio paralisante de uma rodagem com Billy Wilder. Os atores são para ele uns caniches, amestrados para se sentarem nas patas traseiras e saltarem pelos arcos. Senti que esta insanidade nunca mais acabava. Mas ganhei uma pipa de massa!”.
Buddy Buddy acaba por se revelar uma comédia triste, amarga. O mundo tal qual Wilder o vê divide-se em duas categorias: os crápulas e os chatos. Ambos tomados como arquétipos desprovidos de valores e de substância, que não merecem do realizador qualquer empatia. Existe simples maldade num tipo de comédia em que o assassino prepara-se para matar pelas costas a vítima em pleno deserto, mas ela é clínica, sem a energia e a ferocidade que Blake Edwards revelaria no mesmo ano no seu S.O.B.
Noutra estratégia frequente nos filmes de Wilder - o do disfarce, com travestização ou não!. nada de parecido com o que fizera em A Incrível Susana (1942), Ariane (1957), Quanto Mais Quente Melhor (1959), Um, Dois, Trés (1961), Irma La Douce (1963), Beija-me Idiota (1964), Como ganhar um milhão (1966) ou O Segredo de Fedora (1978). Em todos esses casos o simulacro, forçada pelas circunstâncias, não se limitava ao efeito cómico, porque comportava um efeito revelador: sempre que o personagem assumia um papel fazia-o tão bem que acabava por dele ficar prisioneiro e a comédia das ilusões encarregava-se de sugerir considerações discretas, mas também trágicas, sobre a condição do ser humano, condenado a fazer-se passar por outro que não ele.
Em Buddy Buddy, e ao contrário do que sucedia com Lino Ventura na versão francesa, Walter Matthau disfarça-se por diversas vezes, mas nenhuma delas tem por fito a inserção na sociedade das aparências, quedando-se pela intenção de enganar os outros. Aqui o disfarce não serve para sobreviver, mas para matar!
Em Wilder e em Diamond essa mudança de paradigma corresponde a uma de renúncia a uma das principais virtudes na sua pretérita filmografia.
As qualidades de Buddy Buddy cingem-se às que figuravam na peça original de Francis Veber, mas que requeriam uma ligeireza e uma inconsequência inacessíveis a Wilder no crepúsculo da sua carreira.
Seria outra a indulgência se o filme não tivesse a assiná-lo um dos nossos mais admirados realizadores de comédias. Rotundo fracasso na altura da estreia constitui a lamentável despedida de Wilder de um percurso de que sempre lembraremos os títulos maiores...

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