sexta-feira, março 06, 2020

Nas margens: Tim Hetherington, Alexandre Dumas e o seu «noir»


1. O que leva um jovem a frequentar os cenários de guerra mais horrorosos do planeta, deparando com a mais extrema crueldade? Na Libéria, na Serra Leoa, no Afeganistão ou na Líbia, Tim Hetherington revelou que as guerras são feitas por jovens manipulados por quem na sombra os arma e lhes dá a ilusória sensação de um poder fútil, quase sempre fatal para si próprios. E que, à volta, sofrem os que nada podem contra a inevitabilidade de se verem roubados, agredidos, violentados, assassinados e desesperam de impotência por não o poderem evitar.

Aos pais, pertencentes à classe média britânica, Tim dissera um dia que não imaginavam quão ricos eram. Porque podiam dispor das suas circunstâncias de acordo com a própria vontade. Um luxo que não testemunhava naqueles a quem captava com a sua câmara. Até ao dia  20 de abril de 2011, quando os estilhaços de um morteiro o matou em Misrata. Completara 40 anos algumas semanas antes...
2. Os heróis dos folhetins de Alexandre Dumas também incorriam em grandes perigos, mas por ser ficcionais eram menos problemáticos do que os dos seus colaboradores, que o ajudavam a manter um fluxo torrencial de palavras nos jornais parisienses do seu tempo. A tal ponto que tendo havido quem se queixasse de não conseguir acompanhar tudo quanto assinava, o próprio Dumas reconhecesse passar-se o mesmo consigo próprio. O problema aconteceu depois da crise de 1848 quando deu consigo falido, incapaz de pagar as contas, incluindo os honorários de quem lhe escrevia boa parte dos textos. Razão para que um deles, Auguste Maquet o pusesse em tribunal reivindicando o direito de assinar os livros, que tinha redigido, incluindo o bem sucedido «Os Três Mosqueteiros». Terá sido essa a primeira vez que a questão dos direitos autorais chegou à barra dos tribunais. Que não deram razão ao queixoso, mas, ainda assim,  lhe atribuíram um quarto das receitas desses títulos alegadamente da sua lavra.
Contam os estudiosos da obra de Dumas, que Maquet não teria a razão do seu lado, porque concebia a história e desenvolvia-a mas era o patrão quem lhe dava a versão definitiva acrescentando-lhe o que o talento lhe ditava... e era muito! Na prática há quem compare o contributo de Maquet a um bloco de mármore bem talhado, sendo o de Dumas o da bela escultura nele desenvolvida e concluída. 

Sem comentários: