terça-feira, março 03, 2020

Diário de Leituras: Iniciando a leitura de um ensaio sobre a cor amarela


Ao dedicar-se ao amarelo, depois de já ter publicado estudos sobre o azul, o preto, o verde e o vermelho, Michel Pastoureau reconheceu a dificuldade de abordar uma cor discreta, pouco frequente no nosso quotidiano e ainda mais rara no universo dos símbolos. E, no entanto, os povos da Antiguidade consideravam-na sagrada por estar associada à luz, ao calor, à riqueza e à prosperidade. Os gregos e os romanos davam-lhe proeminência nos seus rituais, tal como os celtas, que viam-na como simbolizando a imortalidade.
Foi nos tempos medievais, que o amarelo se tornou ambivalente: por um lado era visto como a cor do enxofre demoníaco, dos mentirosos, dos hipócritas e até mesmo dos loucos. Quando acompanhou os preconceitos antissemitas conotaram-no com as sinagogas, datando desse período as infames estrelas amarelas. Mas, por outro lado, também era visto como a cor do mel e do trigo maduro, ou seja da alegria e abundância.
Nos séculos seguintes a depreciação do amarelo prosseguiu quer no mundo da Reforma, quer da Contra-Reforma. Até aos dias de hoje, quando tanto o  associam ao desagradável e perigoso no seu tom esverdeado indiciador de toxicidade, como à alegria sadia e revigorante, quando se aproxima das tonalidades alaranjadas.
Desde 2000  que o prestigiado especialista da época medieval Michel Pastoureau tem-nos ajudado a olhar as cores de forma diferente, não só no que representam, mas como acompanharam a civilização humana desde os seus primórdios. Este é já o seu quinto ensaio dedicado a esse objetivo.
Depois dos primeiros capítulos dedicados aos ocres do Paleolítico, ao metal amarelo e às mitologias baseadas no ouro ele aborda os cultos solares, donde extraímos o seguinte trecho:
“Visto da  terra, o sol parece amarelo, pelo menos se estamos com tempo aprazível a meio do dia. No entanto, para  os astrofísicos a sua verdadeira cor é branca, porque é essa a da luz que a estrela envia na direção à terra. Ela é composta de raios coloridos, que a atmosfera filtra, desvia ou retém. O roxo e o azul, por terem baixa frequência, dispersam-se, vendo-se removidos do espectro solar quando a luz branca cruza as diferentes camadas da atmosfera, o que explica porque o céu é azul quando o sol está na máxima intensidade. A cor dominante é a amarela quando o sol está no zénite ou alaranjada, até mesmo avermelhada, quando se levanta ou vai para a cama.
Essas são as explicações modernas. desconhecidas pelas sociedades antigas. Mas cedo se estabeleceu  um vínculo entre essa cor e a luz. Brilhante e radiante, o amarelo tornou-se cor benigna e assim permaneceu por longos séculos. É apenas no coração da Idade Média, que os aspetos negativos do amarelo ganharão precedência sobre os valores positivos.
Vamos pensar um pouco no sol antigo. Rei de estrelas, fonte de calor, luz e fertilidade, inimigo das trevas e forças do mal, foi deificado muito cedo, dando origem a vários cultos no Velho e no Novo mundo. Nem todos são tão sangrentos quanto os dos astecas, que lhe ofereceram sacrifícios humanos receosos de que perdesse energia e deixasse de se levantar todas as manhãs. Mas muitas pessoas viram nele o princípio de toda a vida, o antepassado dos deuses, às vezes dos seus reis ou do seu povo.”
Numa pintura mural encontrada na villa Ariana, na colina de Varano, perto de Nápoles, surge esta representação de Artémis, (a Diana dos romanos), que era a deusa da lua, da caça e da natureza. Nesse sentido correspondia ao contraponto do irmão gémeo, Apolo, que  era o deus da luz solar. Espelhando essa equiparação ambos ostentavam o arco e a flecha de prata. E ela apresentava uma associação explicita entre as duas cores, o branco e o amarelo, razão porque, na Grécia, alguns dos locais de culto a ela dedicados, tinham as sacerdotisas a vestirem de amarelo.

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