quinta-feira, março 26, 2020

(A) O cometa Gershwin


Apenas doze anos decorreram entre a consagração de ter sido o primeiro compositor a merecer honras de capa na Time Magazine - foi em 1925, quando só contava 27 anos! - e a morte doze anos depois. Quando pensamos em George Gershwin e na maravilhosa obra que nos deixou - desde o Rhapsody in Blue à ópera Porgy and Bess passando por Um Americano em Paris - dificilmente associamos a sua custa vida a um brilhante cometa, que apareceu em grande fulgor e acabou por tragicamente desaparecer, quando a criatividade inesgotável o parecia direcionar para inimagináveis experimentações.

Quem o conheceu em miúdo, quando vivia com os pais no bairro judeu de Manhattan, lembra-lhe o feitio travesso, muito diferente dos irmãos, que se revelavam mais bem comportados. Os vizinhos pressentiam que os Gershwin iriam ter dificuldades em controlar a propensão irreverente do miúdo. Só que, aos dez anos, ele ficou completamente embasbacado com o som de uma composição de Rubinstein interpretada por um realejo de rua e descobriu a vocação.  Essa tal inquietude viria a exprimir-se na vontade de tudo ouvir e por todo o tipo de sons se deixar influenciar. Ao chegar aos vinte anos já compunha composições, que misturavam os espirituais negros, o jazz, a música klezmer e as canções populares divulgadas pelos folhetos oriundos das editoras da famosa Tin Pan Alley. Para um dos intérpretes mais bem sucedidos destas últimas - Al Jolson, o futuro Jazz Singer do filme homónimo de 1929 - criaria um sucesso, que ainda hoje ouvimos com alguma frequência: Swanee.
O conhecimento dos irmãos Adele e Fred Astaire abriu-lhe as portas da Broadway com a encomenda para uma peça musical, que potenciaria a sua colaboração com o irmão Ira, que seria o autor da maioria das letras das suas canções. A tal capa da Time celebra-o, quando Rhapsody in Blue já se convertera num enorme sucesso internacional. Razão para uma digressão pela Europa, aonde encontraria Igor Stravinsky a quem pediria lições, recebendo como resposta que deveria ser ele a dar-lhas ou com Ravel que, perante pedido similar lhe diria quão estulto seria dele colher qualquer influência, já que as suas obras possuíam uma tão única identidade.
Embora Porgy and Bess tenha constituído um inesperado fracasso ele confiava que viria a ser valorizada no futuro tanto mais que o tema ia ao encontro das suas preocupações: composta quando Hitler já dava claros sinais do que pretendia fazer aos judeus, Gershwin enfatizou na opressão aos negros aquela que ganhava candente relevância no Reich alemão.
Foi por essa altura que os sintomas da doença surgiram inesperadamente. Quando os cirurgiões procuraram remover-lhe o tumor, que lhe crescera no cérebro, era demasiado tarde. Sem sequer completar 37 anos, George Gershwin desapareceu do mundo dos vivos deixando a obra a garantir-lhe merecida imortalidade.

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