sábado, março 07, 2020

Diário das Imagens em Movimento: «Häxan - Feitiçarias através dos tempos» de Benjamin Christensen (1922)


Em 1922 o cinema escandinavo ganhou dimensão internacional, demonstrando a criatividade e a ambição de uma indústria, que assumiria doravante razoável dimensão. E nada mais natural que, sendo a tradição local tão enriquecida com os trölls e com o satanismo, Haxän adotasse por temas a magia e o satanismo. O resultado é uma sucessão de estórias com assinalável carga onírica em que deparamos com uma esposa frustrada a compensar-se nos braços do apelativo Diabo, uma velha suspeita de feitiçaria a ser torturada pela Inquisição ou um fenómeno de histeria coletiva num convento. Para acrescentar verosimilhança à narrativa Benjamin Christensen optou por filmar quase exclusivamente à noite. Mas essa verosimilhança tem um contraponto: o seu objetivo é o de denunciar o sadismo dos exorcistas e o papel nefasto assumido pelas igrejas. Há, no final, uma intenção de explicar cientificamente os fenómenos paranormais, atribuindo aos comportamentos das suas vítimas razões exclusivamente do foro mental, que só os preconceitos medievais associavam a efeitos malignos.
Christensen antecipou-se a outro grande realizador escandinavo - Carl Theodor Dreyer - que, em 1923, com Blade of Satan e, em 1943, com Dies Irae também andou por tais paragens. Ele próprio colocou-se perante a câmara protagonizando os papéis contraditórios de Diabo e do seu antídoto: o médico.
Se nos detivermos a olhar para o filme com atenção, temos de nele reconhecer o sentido plástico, que Christensen considerou herdados do seu gosto pelas pinturas de Hieronymus  Bosch, Brueghel ou Goya e que tanto influenciará Ingmar Bergman quando rodar O Sétimo Selo nesse ano de tão boas colheitas quanto o foi o de 1956.
Extremamente caro - na época excedeu em muito o orçamento inicial previsto pela Svens Filindustri - o filme foi aclamado em diversos países, mas também censurado noutros tantos. Mormente nos Estados Unidos para onde o realizador se mudou durante uns anos, rodando filmes para a MGM e para a Warner, nomeadamente O Circo do Diabo e As  Sete Pegadas de Satã. Entre os atores e atrizes que dirigiu nessa época avultam Lon Chaney e Norma Shearer.
O fracasso da experiência fê-lo voltar à Dinamarca, onde andou a dirigir peças de teatro até à ocupação nazi. Algumas tentativas cinematográficas desse período não lhe reimpulsionaram a carreira, levando-o a cingir-se à direção de uma sala de cinema em Copenhaga até ao final dos seus dias em 1959, quando a morte o encontrou, estava então com 79 anos.
Apesar de ficar conhecido apenas por este filme de 1922, Christensen influenciou duradouramente o cinema que se seguiria propondo formas de enquadrar e olhar para temas, que viriam a ganhar relevância num género que conheceria o seu fulgor com o italiano Mario Bava ou com a produção inglesa da Hammer Film Productions.

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