terça-feira, novembro 27, 2018

(DIM) O que torna possível o Cinema


Se fizermos um questionário em que perguntemos quem inventou o Cinema a maioria das respostas coincidirá no nome dos irmãos Lumière. Mas talvez devêssemos recuar um pouco dessa data inaugural de 1895 para encontrarmos a resposta mais correta. Para aí uns trinta mil anos, quando criativos, sem consciência de o serem, utilizaram as paredes das cavernas pré-históricas, e as sombras das fogueiras, para inventarem histórias, depois fixadas nas primeiras pinturas rupestres.
Podemos, porém, ser mais exigentes, considerando acontecer Cinema apenas quando se capta movimento com um dispositivo e depois se o pode reproduzir para diversos observadores. Essa captação é feita em duas etapas, começando-se por decompor o movimento decorrente de uma sequência de imagens fixas, depois projetadas tão rapidamente quanto o necessário para suscitarem a ilusão do movimento.
Nasceu assim o paradigma de fazer do Cinema uma exibição de imagens fixas, porque é isso que ele é: os fotogramas não são mais do que momentos registados por uma câmara a que o projetor confere a ilusão de se sucederem umas às outras no cérebro do espetador.
Essa consciência da necessidade de traduzir uma qualquer realidade numa dinâmica sequencial talvez tenha surgido muito mais cedo do que o imaginemos, justificando-se o recuo até às já referidas populações pré-históricas. Há investigadores, que estudaram as pinturas da gruta de Chauvet e viram nos animais representados na imagem ao lado uma fixação do mesmo animal em sucessivos instantes do seu movimento e não propriamente a manada inicialmente considerada. E que, no bruxulear das chamas das fogueiras, o animal ganharia a aparência de estar vivo.
É tese controversa, de improvável reiteração, mas não contradiz a ilação de datar de há muito a intenção artística de decompor um movimento num conjunto de instantâneos como se vê numa taça de 2500 anos a.C. conservada no Museu Nacional do Irão.
A própria pintura procurou guiar o olhar do espetador nessa lógica do movimento como se vê no exemplo do quadro pintado por Théodore Gericault em 1819 sobre os náufragos da balsa Medusa em que quatro dos seus personagens sugerem a forma como pode ser vislumbrado com maior eficácia emocional.
Conclui-se o conhecimento sobre decompor o movimento vem de passados imemoriais. Era, então, necessário criar a forma de ser visto como tal por quem se lhe viesse a constituir observador. E as primeiras tentativas lavraram de um equívoco inicial, quando, em 1830, se considerou existir a persistência retiniana. Era um fenómeno conhecido desde o disco de Newton, que demonstrava como a sobreposição de imagens, a desfilarem muito rapidamente nos olhos, possibilitavam a sua retenção na memória durante um brevíssimo momento. Esse princípio estivera na origem do brinquedo ótico conhecido por taumatrópio, muito popular no início do século XIX, quando parecia aprisionar um pássaro dentro de uma gaiola.
Surgiu, então, o físico belga Joseph Plateau, que inventou o fenacistoscópio, um dispositivo só exequível por ser capaz de bloquear a persistência retiniana. Era constituído por dois discos, um com as imagens destinadas a ganharem movimento e o outro, inteiramente negro, com aberturas para ver o que o outro ia revelando no seu movimento circular. O olho do observador via desfilar uma imagem desenhada, seguida de um instante totalmente negro, e logo outra reiniciaria o mesmo ciclo. Sem esse corte intermédio as imagens sobrepor-se-iam e tornar-se-iam numa incompreensível charada.
Plateau acabava de descobrir um fenómeno ótico a que se viria a designar efeito phi (j) a partir de 1912. É ele que permite sugerir o deslocamento de uma luz por quatro quadrantes distintos.
Essa confusão, entre o cinema como consequência da persistência retiniana e o efeito j,  persistiu até hoje, não faltando manuais sobre a História do Cinema, que atribuem ao primeiro o que só ao segundo compete.

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