quarta-feira, novembro 07, 2018

(DIM) «O Botão de Nácar» de Patrício Guzmán (2015)


À partida existia uma questão liminar em forma de argumento: ao que corresponde esse oceano imenso, que banha as costas chilenas? Sem pensar, de imediato, num dítico, Patricio Guzmán, que acabava de sair dos planaltos desérticos do Atacama, onde filmara «Nostalgia de Luz», concluiu que o mar poderia servir de rampa de lançamento para o seu novo projeto: “Pensei em quem seriam as pessoas, que contactavam com essa água, particularmente os índios do sul para os quais ela significava alimentação e viagens.”
Nessa altura Guzmàn ainda não estabelecera o paralelismo entre o destino desses índios com o dos desaparecidos durante a ditadura dos anos 70. “Duas visitas a museus suscitaram-no. A primeira ao que existe em Punta Arenas, onde tomei conhecimento da história de Jimmy Button, que aceitara viajar para Inglaterra a troco de um botão de nácar. A segunda à Villa Grimaldi, em Santiago, onde vi um botão agarrado a um dos carris utilizados pelos carrascos fascistas para prender os corpos das vítimas antes de as afogarem. A coincidência entre ambos os botões foi espontânea e o filme construiu-se a partir dessa ligação.”
Na primavera de 2012 Guzmán viajou até à Patagónia para estabelecer contactos e captar cerca de sessenta horas de filme. Aproveitando depois uma estadia perto de Berlim lançou-se na escrita do argumento durante cinco semanas.
Fiel ao seu método de trabalho, Guzmán dedicou uma atenção especial à criação do texto, que lhe fosse permitindo estruturar os pensamentos sobre o tema. O botão de nácar surgiria como elo comum a um conjunto de fios narrativos. “Redigi um script muito aproximado do que viria a ser o filme, aquilo a que chamo o ‘argumento imaginário’!” e que pretende ser uma forma de avançar, de acreditar na exequibilidade da ideia.
A rodagem subsequente - que acrescentou mais noventa horas às anteriormente recolhidas! - manteve as características de toda a sua obra. Envolveu uma equipa reduzidíssima de quatro pessoas: o operador, o assistente de realização e o engenheiro de som para além do realizador. Mas a câmara ia sendo manejada por todos eles. Nalgumas sequências era o inesperado, que lhes vinha ao encontro, noutras aproximaram-se do previamente concebido, sendo as restantes imagens tentativas sem viabilidade para virem a ser consideradas na montagem.
Sobre o filme, um dos mais conceituados críticos franceses - Serge Kaganski da revista «Les Inrockuptibles» - escreveu: “ Guzmán faz coexistir a lógica humanista do cidadão e a intuição aleatória do sonhador, as velocidades assíncronas do relógio biológico e o relógio geológico. Liga esses elementos heterogéneos com recurso à história e à topografia do país e, através da doçura firme da sua voz, cria um filme de uma beleza e liberdade inexcedíveis. Com Guzmán é preciso esquecer todas as ideias feitas sobre o que é um documentário.”

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