sábado, abril 29, 2017

(DL) «Soldados de Salamina» de Javier Cercas

Rafael Sanchez Mazas não era flor que se cheirasse: ainda andava Franco a iniciar a carreira militar, já ele e José Antonio Primo de Rivera estavam a inventar o fascismo à espanhola, criando  a mal afamada Falange.
Rivera foi morto durante a breve República nunca chegando a antever o sucesso das ideias excêntricas, que quase ninguém acreditava virem a ser aplicadas a uma Espanha às avessas com a instituição monárquica. Mas, morto Sanjurjo, que era quem se previa liderar o golpe militar de 1936, e sem ideias próprias que lhe jorrassem da cabeça, o futuro tirano espanhol “comprou” as da Falange e adaptou-as de acordo com as suas conveniências pessoais.
Quando a  ditadura prevaleceu, Mazas ainda conseguiu ser ministro, mas acabou depois nomeado para aquele tipo de cargos inócuos, que iludiam os detentores quanto ao seu poder, mas nada representavam na nova realidade. Com tempo livre o ideólogo dedicou-se à Literatura, com estilo datado, mas com algum talento, até reconhecido por quem engrossava as hostes oposicionistas.
Mazas também gostava de contar o seu caso pessoal: no fim da Guerra, quando os franquistas empurravam as hostes republicanas para além Pirinéus,  estas decidiram organizar um fuzilamento de vinte peixes graúdos dos adversários entre os quais se contava ele próprio.
Conseguindo escapar com meros ferimentos, fugiu para bosque próximo, onde os falhados carrascos o perseguiram. Um deles encontrou-o escondido num buraco, pensou um instante e, quando de perto lhe perguntaram se estava por ali o foragido, negou. Mazas devera, pois, a salvação a um soldado vermelho.
Esta história interessou Javier Cercas, que dela quis fazer um ensaio ou um romance tão próximo quanto possível com o sucedido. Por isso mesmo, com a ajuda de outro escritor, Roberto Bolaño, partiu à procura desse soldado para lhe perguntar o motivo daquele gesto compassivo.
Após porfiada busca encontra-o num lar de idosos em Dijon e temos assim a oportunidade de conhecer Miralles, um homem notável que não lhe bastara  lutar pela liberdade na sua terra, também integrara as hostes de desertores da Legião Francesa, que se tinham revoltado contra as autoridades de Vichy e haviam conquistado vários fortins no deserto, naquelas que terão sido das primeiras vitórias aliadas no norte de África. Não contente com tais feitos seria dos primeiros a entrar na País liberta em 1945 num dos tanques de Leclerc.
O romance de Javier Cercas consegue prender pela sua natureza ficcional inovadora: além de conhecermos personagens notáveis, que viveram de facto, também acompanhamos a construção progressiva da estrutura narrativa.
Deixa assim de ser mais um romance sobre a Guerra Civil Espanhola para se tornar numa dissertação sobre os motivos que levam os homens a agirem tão contrariamente ao que deles se espera nas alturas mais críticas.

Sem comentários: