sábado, abril 08, 2017

(DL) «Os Idólatras» de Maria Judite de Carvalho (3)

Com este texto conclui-se a evocação de um dos muitos livros de contos, que a escritora Maria Judite de Carvalho publicou entre 1959 e 1995, embora até 2002 tenham surgido outros de teatro, poemas ou crónicas.
São muitos os apreciadores da escritora que lamentam o esquecimento da sua obra, passados menos de vinte anos sobre a sua morte.
Pelos exemplos, que ficam dos textos aqui sujeitos a sinopse, conclui-se quanto a escritora execrava a injustiça, estando subjacente a crítica aos valores suscitados pelo capitalismo.
No entanto, os seus personagens são solitários demasiado frágeis para contrariarem as ameaças de que são alvo, vendo-se amiúde confrontados com a sua irremediável solidão.
No caso de «Os Idólatras», os contos são situados num futuro indeterminado, onde os amanhãs cantantes não surgiram e os piores efeitos distópicos ganharam angustiante relevância.
Gretchen
A filha de uns velhos endinheirados aguarda a vez numa sala de espera. Trata-se de comprar cápsulas de rejuvenescimento elaboradas com os corpos de crianças mortas de fome ou em cenários de guerra.
Os clientes daquele consultório esperam, assim, adiar a morte por mais uns meses, por mais uns anos. Move-os o interesse egoísta de viverem um derradeiro amor, assistirem ao casamento de algum filho ou outras razões, que consideram suficientemente fortes para não demonstrarem qualquer escrúpulo quanto à forma hedionda como garantem a sua satisfação.
A Estranha Deformação Física
Começou por acontecer em países distantes. Homens com uma deformação física peculiar viam-se assassinados por familiares e vizinhos.
Um dia aconteceu a Ivo essas dores inquietantes, prenunciadoras do nascimento das suas asas de anjo.
Ciente do desenlace que o espera, quer pelo menos evitar que a morte lhe seja dada por quem amou ou simpatizou. Por isso parte estrada forte, decidido a entregar-se ao desenlace já longe de onde morou.
A Cidade do Exito
A senhora Bruce tem noventa anos e a única casa térrea da cidade. A toda a volta cresceram os mais modernos dos arranha-céus.
Olhando gulosamente para os projetos, que possam crescer nesse terreno, os investidores imobiliários da zona assediam-na sem cessar, propondo-lhe excelentes negócios, se ela aceitar vender-lhes a modesta propriedade.  Os mais insistentes são o dono de um hotel e o de um centro comercial, seus vizinhos, ambos apostados em ampliarem a área dos seus edifícios.
Ela a ambos sobrevive, durando até aos 115 anos. Mas ainda mal está a exalar o último sopro de vida e já a casa está a ser destruída para, no dia seguinte, nada restar de um tempo há muito esquecido.

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