domingo, abril 09, 2017

(DIM) King Kong: entre Freud e a catarse do 11 de setembro

King Kong, o gorila gigante é coriáceo ou não andasse já por aí a sua enésima ressurreição no filme de grande orçamento «Kong: SkullIsland», realizado por Jordan Vogt-Roberts baseado na obra-prima de Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper de 1932. Estes tinham sido documentaristas, que haviam passado para o cinema convencional com «A Caça do Conde Zaroff» com assinalável sucesso. Daí terem ousado a criação desse, que terá sido o seu grande projeto cinematográfico e pelo qual terão ficado definitivamente registados na história do cinema.
Beneficiaram, igualmente, de trabalharem nos estúdios da RKO, aqueles que arriscavam mais em projetos fora dos cânones e davam maior liberdade aos seus criadores.
A época em que esse primeiro «King Kong» se estreou era pródiga em histórias de terror: Bela Lugosi era Drácula,  Karloff vestia a pele de Frankenstein e Tod Browning dava a conhecer uma série de monstros em «Freaks».
King Kong é o primeiro monstro nascido da imaginação dos argumentistas dos estúdios, porque os seus contemporâneos possuíam uma prévia existência na literatura, mesmo na de cordel. Trata-se, por isso, de uma projeção fantasmática com interpretação freudiana bastante evidente. Em todas as versões, o animal consegue suscitar o interesse, senão mesmo o desejo de beldades vestidas com roupas de uma brancura virginal.
O filme também surpreendeu pela qualidade inaudita dos efeitos especiais, tendo em conta as limitações dessa época. Willis O’Brien, o seu criador, utilizou processos de stop motion, que ainda hoje continuam a ser experimentados. A marionete de Kong conseguia ter expressões faciais suficientemente credíveis para passarem por reais.  E criou-se uma cabeça e uma mão gigantescas para algumas cenas mais exigentes: quando Fay Wray grita na mão, que a sacudia para um e outro lado, não estava a representar, mas a revelar a reação de medo pela agitação do mecanismo mecânico em que se sustinha a grande altura.
Era igualmente a época em que o cinema sonoro acabara de surgir suscitando a atenção dos espectadores para a qualidade dessa novidade. Por isso deve-se realçar a qualidade dessa vertente, que acentua a verosimilhança da estória, corroborada por gerações sucessivas de cinéfilos.
A violência e o erotismo desse primeiro «King Kong» continuam a espantar, valendo-se de ainda não estar a verificar-se a plena aplicação do rígido e imbecil código Hayes.
Há, por exemplo, a cena em que Fay Wray está presa para ser entregue em sacrifício ao deus da ilha e que não é muito diferente dos filmes de bondage do cinema erótico de décadas mais recentes. A expressão da personagem, enquanto espera pelo que se seguirá, poderá sugerir medo, mas também desejo. Por isso há quem considere esse um dos grandes momentos eróticos da história do Cinema.
Na versão de 1976, Jessica L ange chega a flirtar com o monstro, ao contrário de Naomi Watts na versão de 2005, que personifica uma virgem bíblica. O erotismo desapareceu e infantilizou-se o monstro, de acordo com a tendência de Hollywood em assexuar os seus conteúdos..
King Kong nas diversas versões também espelha a política norte-americana nas suas respetivas fases: em 1932 viviam-se os efeitos da Grande Depressão. Em 1976 acompanha simbolicamente uma América enredada no inferno do Vietname. E, na versão de 2006, de Peter Jackson, o espectro do 11 de setembro está implícito em muitas das suas cenas.
Na versão agora estreada a desconhecida ilha só terá sido encontrada nos anos 70 do século passado, altura em que uns visitantes de ocasião se embrenharam pela sua floresta quase impenetrável. Dando de caras com o monstro, que os faz dali escapar o mais rápido que podem...


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