domingo, abril 23, 2017

(DIM) «Trumbo» de Jay Roach (2016)

Há críticas de filmes, que me surgem como insultuosas de tal forma usam critérios diferentes para ajuizar os filmes consoante as suas conotações ideológicas.
Vem isto a propósito de um articulista do «Público», Luís Miguel Oliveira, ter dado apenas uma estrela a «Trumbo», dizendo-o eivado de maniqueísmo contrário ao do macarthismo contra o qual se insurge.
Curiosamente nunca vi o mesmo opinador preocupar-se quando está explicito uma mensagem de sinal contrário que, se dotada de talento e meios de produção à altura, logo passa por obra-prima. «Trumbo» serve de pedra-de-toque para perceber o que se passa na cabeça de quem o comenta: se não gosta quase por certo alinha politicamente à direita, se gosta sucede precisamente o contrário. ~
Muito preocupado com o maniqueísmo, LMO esquece que o assunto não admite confusões: ou se está de um lado ou do outro. Ou se admira os que mantiveram as convicções, sofreram as consequências e acabaram por ser reconhecidos como vítimas de uma execrável operação política destinada a virar a América mais para a direita, de forma a satisfazer os interesses  da coligação de militares com a indústria de guerra (Eisenhower bem a pressentiu e denunciou, mas nada pôde fazer contra ela!), ou se alinha com os John Waynes, com os Ronald Reagans e com os Nixons, que dela foram cabeças de turco. Como Trump continua a ser com o recente aumento do Orçamento para os militares.
No final da Segunda Guerra Mundial o poder republicano julgou-se invencível ao ter a exclusividade da bomba atómica e engendrou a estratégia imperialista de expandir a  sua exploração a todos os continentes. Os comunistas estavam a jeito como inimigos principais, pois seria a União Soviética o maior obstáculo a esse objetivo. E entre eles, pela sua visibilidade, contavam-se os realizadores, argumentistas, atores, atrizes e outros técnicos, que davam vida às produções de Hollywood.
Dalton Trumbo era um deles: escritor talentoso, já enriquecera com alguns trabalhos, que haviam conhecido um enorme sucesso de bilheteira.
Em 1947 ele e outras nove personalidades conhecidas dos estúdios cinematográficos foram intimados a comparecerem em Washington para prestarem declarações perante a Comissão de Atividades Anti-Americanas.
Cientes de estarem a ser violados os seus direitos constitucionais quanto à sua liberdade de pensamento, nenhum deles colaborou com os interrogadores acabando condenados a um ano de prisão por «desrespeito ao Congresso».
Curiosamente o senador incumbido dessa Comissão não tardaria a ser igualmente preso por burla e peculato.
Nos anos seguintes - dez no caso de Dalton Trumbo - a vida viu-se-lhes virada do avesso com a pobreza a substituir-se à confortável qualidade de vida até então usufruída.
Alguns cedem à chantagem dos anticomunistas liderados pela intriguista Hedda Hopper (cuja influência advinha da sua muito lida coluna de mexericos!), como aconteceu com Edward G. Robinson, Outros, como Elia Kazan - que alguns enaltecem por títulos como «Esplendor na Relva» ou «A  Leste do Paraíso» - levaram a perfídia ao extremo de denunciarem, sem qualquer objeção, os que tinham sido seus amigos e nele haviam confiado. Mas houve também os que morreram por não encontrarem ânimo para contrariarem a inclusão na Lista Negra como sucedeu com John Garfield.
Trumbo organizou-se com um conjunto de outros argumentistas para escreverem argumentos mal pagos e de escassa exigência para filmes de série B.  Mas, entretanto, em trabalhos mais de acordo com o seu talento, foi ganhando Óscares sob pseudónimo. Aconteceu com «Férias em Roma» de William Wyler em 1953 e com «O Rapaz e o Touro» de Irving Rapper em 1956.
A reintegração na Writers Guild of America só aconteceu quando Kirk Douglas exigiu que o seu nome figurasse no genérico de «Spartacus» e Otto Preminger o imitou com igual decisão relativamente ao «Exodus», ambos em 1960.
A América parecia à beira da mudança e Kennedy, acabado de ser eleito para a Casa Branca sinalizou o fim da perseguição aos principais nomes da Lista Negra com a comparência à estreia do filme de Kubrik. Mas a malfadada Comissão manteria a atividade, mesmo em menor dimensão, até 1975. Trumbo ainda viveu o suficiente para lhe fazer o enterro, pois sucumbiria no ano seguinte fulminado por um ataque cardíaco.
Nesta abordagem biográfica não havia muito que pedir a Jay Roach: um argumento consistente, intérpretes irrepreensíveis e causar no espectador a reação emotiva contra este trágico exemplo de repressão contra o direito a ter as crenças políticas, que se pretendam defender,
Estranho que isso ainda incomode muita gente. Por mim o filme vale cinco estrelas.


Sem comentários: