quarta-feira, fevereiro 22, 2017

(I) Será que o poder poderá ser ilusório?

Donde vem o poder? Deter o poder significa ter a legitimidade conferida pelo direito divino, como o reivindicavam os reis, ou ser eleito pela vontade do povo? E se o poder, pelo contrário, depender de cerimónias, dourados, fórmulas e paradas? E se o vestuário, o protocolo e as cimeiras, mais não fossem do que alimentarem uma ilusão (necessária)? E se o poder não fosse senão um efeito realista da nossa imaginação? É esta tese de Pascal que convirá aprofundar…
Hoje em dia existe um abismo entre as opiniões de políticos, ou ex-políticos de diferentes gerações. Nas camadas mais velhas o exercício do poder corresponde a uma certa forma de liturgia com algumas das características detetáveis na de cariz católico.  Nas camadas mais jovens enfatiza-se a questão do poder-cidadão, das sociedades participativas, etc.
Acontece algo de muito singular: olhando para os populistas, os mais tradicionais temem pelo futuro da Democracia, pela facilidade com que ela fica entregue a quem melhor souber manipular as consciências. Pelo contrário os mais jovens entusiasmam-se com movimentos inorgânicos, militando efemeramente por múltiplas causas sem as coordenarem mais eficientemente numa conjunção/síntese das principais de entre elas.
No século XVII Pascal estudou com bastante empenho as questões do poder e da imaginação. Por isso defendia que, sempre que existia o exercício de um qualquer poder, haveria obrigatoriamente uma encenação desse poder. Há, nesse sentido, uma aproximação à abordagem maquiavélica do poder, porque o fazia depender sempre de uma força física. O que suscitava nele esta interrogação: se quem detém o Poder também possui a força necessária para tal, porque se dá ao trabalho de adorná-lo de uma qualquer forma de encenação?
O caso mais extremo desse tipo de espetáculo do Poder foi o da coroação de Bokassa, ditador da República Centro-Africana que, em 1977, se declarou Imperador e se coroou a si próprio, numa imitação de idêntica representação de Napoleão I. Uma festa que terá custado 100 milhões de dólares pagos por Khadafi.
Para Pascal qualquer um poderia tomar as rédeas do poder. E assumi-lo com sucesso se se vestisse de acordo com o que se esperava da imagem desse poder. Católico, o filósofo francês não acreditava que o poder fosse conferido por vontade divina, mas que esta se conformava com quem o exercesse. E, igualmente, acreditava na necessidade de existirem os que mandavam e os que obedecessem. No entanto, e paradoxalmente, ele escrevera que “não podendo fazer com que se tornasse forte o que fosse justo, consagrou-se que é justo o que é forte!”
Há, porém, que levar em conta o facto de Pascal ter vivido numa época em que nunca se colocara a questão da representatividade pelo voto da maioria dos cidadãos. E em que era bem mais fácil encenar o exercício do poder do que exercê-lo de facto...
O que terá suscitado o descrédito de François Hollande à frente da República Francesa, foi ter-se querido apresentar como um «homem normal», quando o Poder exige outra atitude, uma certa forma de gravitas, que o tenderia a elevar aos olhos dos seus contemporâneos. Foi ao querer-se encenação de uma certa forma de banalização do valor de quem exerce o poder, que depressa se veria desrespeitado, deslegitimado.
Por isso mesmo compreender a natureza do poder, constitui a via para melhor o saber combater...  

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