sábado, fevereiro 11, 2017

(DIM) «A Casa de Alice» de Cézar Teixeira (2007)

No primeiro dia de 2011 o escritor francês Pierre Bergounioux questionava-se no seu diário: Muito facilmente conquistámos tudo e tudo depois nos foi retirado. Teríamos melhor capacidade para o suportar se não tivéssemos sido tão felizes?
Desconhecemos se Alice o foi, muito embora o seu casamento com Lindomar a deva ter iludido nessa possibilidade. Tanto mais que dele tivera três filhos, dois deles já adultos mas ainda agarrados à proteção do lar familiar. Mas enquanto vai no autocarro para o salão onde é cabeleireira o olhar abstrai-se da paisagem, sempre igual, da urbe paulista e sonha. Com o quê só podemos conjeturar. Com as telenovelas, que prometem amores felizes depois de imensas dificuldades? Ou com o que lhe confidencia a melhor cliente, ufana do interesse sexual despertado no marido pela forma como se depila?
Alice desejaria suscitar o mesmo interesse no seu, mas quando se decide a imitar Carmen, só provoca nele um indignado desinteresse. O que os acontecimentos irão explicar melhor, porque acaba por descobrir-lhe a traição com Thaiz, uma perversa adolescente que lhe vinha cravar perfume para melhor seduzir o homem casado com quem andava.
Quando Nilson lhe aparece no salão para que lhe arranje as unhas a surpresa é grata: mais do que marido da melhor cliente, ele provem de um longínquo passado, quando o tinha namorado antes de Lindomar. E só não tinha ido mais além porque a mãe, Dona Jacira, a tal se havia oposto por reconhecer nele pinta de malandro. É esse mesmo tipo de conversa que vem alimentar com ela mais de vinte anos depois. Enlevada pela possibilidade de recuperar o acesso à impossibilitada felicidade da adolescência aceita-lhe os jantares, as furtivas horas num quarto de hotel, o colar que passa a ostentar ao pescoço.
A ausência frequente de casa leva Lindomar a executar o que há muito tinha projetado: pôr a sogra no asilo, apesar de ser ela a proprietária do apartamento em que vivem. Sem se dar conta que, se a casa mantinha alguma ordem e não se transformava no caos em que depressa cai, é por ter essa velha senhora continuamente afadigada na sua arrumação.
Longe dali, num bar paraguaio onde se vê abandonada pelo amante, Alice descobre lições difíceis de suportar: mais do que a sua ânsia de felicidade implicar a condenação da mãe ao sítio onde sempre enjeitara acabar, ela própria vê-se num beco sem saída. Sem emprego, sem família, sem amante, num país estranho onde só a presença de quem julgara poder confiar fizera sentido. E pior ainda: também o filme de Cézar Teixeira, que a tomara por protagonista, a larga ali, deixando-nos a pensar no que o diarista francês ponderara: conseguirá aguentar melhor a solidão depois de ter vivido um fogacho de felicidade ou teria sido preferível nunca o ter usufruído?

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