segunda-feira, fevereiro 06, 2017

(DL) Algumas histórias da mulher que prendeu a chuva

Catorze são as histórias do livro mais recente de Teolinda Gersão («Prantos, Amores e Desvarios») e outras tantas são as de «A Mulher que prendeu a chuva», cuja primeira edição data de 2007, e ando atualmente a ler. É o encontro com uma escritora, que nos confia os medos e as frustrações de personagens captados num momento em que nós, os leitores, lhes espreitamos para o que vão vivendo.
1. «Cavalos Noturnos» aborda a doença incurável daquele com quem se partilhou a vida e tem a morte iminente. Pensa-se na perda e como a ela reagir, enquanto os cavalos - as drogas ministradas para o alívio da dor - vão surtindo efeito. Vêm assim à colação as cidades (Nova Iorque, Lisboa) que se destroem, não por causa de atentados ou terramotos, mas por perder sentido nelas habitar, condenadas que estão à progressiva falta de materialidade.
2. Existe o tédio das rotinas sempre repetidas no conto «As tardes de um viúvo aposentado». Visita a mulher a quem tantas vezes destratara e agora encontra sob a laje de uma campa no Alto de São João. Lê o jornal num café. Almoça em casa a refeição confecionada pela empregada Leontina. Uma vez por mês apanha a camioneta para um sítio qualquer no país, passa a noite numa pensão e volta no dia seguinte. Como se qualquer negócio, ou assunto importante, ali o tivesse conduzido.
Quando a mulher ainda era viva, chegara a sentir ciúmes, desconfiara de uma possível traição com um amigo. Por isso dedicara três semanas à procura obsessiva de um papel, de uma carta, que confirmasse tal suspeita. Sem sucesso!
Condenara-se, assim, a retomar as mesmas rotinas, impedido de ir pedir contas ao “traidor”, que não o chegara a ser, e quase sentira pena por nada lhe sacudir o aborrecimento.
3. O tempo é do longínquo passado em que Portugal ainda não emergira da noite e do silêncio e Berlim estava dividida pelo muro.
«Encontro no S-Bahn» tem por narradora uma jovem estudante, que ali se radicara graças a uma bolsa e dificilmente consegue romper a solidão à sua volta.
Na casa aonde alugara um quarto o regime é marcial e qualquer desvio sujeito a censura. Por isso, quando regressa a casa a desoras e compreende que, pela segunda vez em poucos dias, se esquecera da chave, força-se a passar a noite fora,
Sem dinheiro para um quarto de hotel decide gastar as horas no único transporte a funcionar toda a noite, ligando as duas pontas da cidade.
Desperta do sono em que mergulhara com um inquietante louco a interpelá-la. Quem era? Donde vinha? O que fazia ali? A ameaça é séria e o medo uma realidade que tornaria inesquecível a experiência. Até porque, dias depois, reconheceu-o no retrato de uma capa de jornal identificado como o psicopata responsável pelo homicídio de várias prostitutas.
4. A morte continua a estar presente nos vários contos. É o que podemos concluir em «Roma», a história de uma mulher ameaçada pelo resultado da análise a aguardar por ela em Lisboa.
Fizera-a e escapulira-se para a cidade eterna ao encontro de um amante latino-americano convencido da falsa ilusão da retórica sobre a igualdade porque, no fim, impera sempre a lei do mais forte sobre o mais fraco. Como ela se sentia no confronto com inimigo poderoso perante a sua frágil vontade de viver.
A exemplo das mãos a afastarem-se no teto da Capela Sistina - que não chegara a visitar!, - a narradora sabe-se sem o apoio divino e entregue ao aleatório veredito de um relatório clínico.

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