domingo, fevereiro 26, 2017

(DL) A quotidiana leitura do mais recente romance de Paul Auster (III)

À medida que o romance vai avançando, Paul Auster multiplica-se em diversas variações sobre o que poderia ter sido a vida de Archie Ferguson na primeira metade da década de 60, nunca deixando de referenciar os acontecimentos, que lhe iam servindo de contexto: a eleição de Kennedy, a fracasso da Baía dos Porcos, o assassinato em Dallas, a luta do Movimento dos Direitos Civis, a escalada no conflito do Vietname.
Numa dessas versões de Archie acompanhamos a primeira experiência sexual dele e da namorada, Amy Schneiderman:
“Alegria para começar, a sensação extática de estarem completamente nus um com o outro desde a sua há muito esquecida brincadeira no colchão em crianças.” (pág. 282)
Apesar de partilharem a descoberta no mesmo fim-de-semana em que Johnson toma posse, Kennedy é sepultado em Arlington e Oswald é despachado em direto pela arma assassina de Ruby, eles pressentem ser esse o momento culminante das suas jovens vidas.
Repetirem tão gratas sensações torna-se-lhes tão urgente que Archie aceita um convite da prima Francie, para que acompanhe a família a uma pista de ski no Vermont, conseguindo dela a aceitação para que Amy também os acompanhe.
Logo na primeira noite o êxtase dessa nova cópula revela-se tão barulhenta na casa de férias onde as madeiras rangem ao mínimo toque, que um dos bébés de Francie acorda num berreiro.
Na manhã seguinte, para o repreender pelo abuso da confiança, que nele depositara, ela força-o a acompanhá-la ás compras na loja mais próxima. Mas nunca lá chegarão, porque, enquanto discutem, ela acaba por ir embater numa árvore.
Hospitalizados, Francie com um traumatismo craniano e um esgotamento nervoso, Archie com dois dedos decepados na mão esquerda, é a amizade de há muitos anos, que se desvanece:
“e mesmo enquanto a boca dele dizia todas as palavras certas, garantindo-lhe que não guardava rancor e que tudo estava perdoado, ele sabia que estava a mentir e que lhe guardaria sempre rancor, que o acidente seria uma barreira entre eles para o resto das suas vidas.” (pág. 306)
Dois meses depois do acidente os pais oferecem-lhe um carro pelo aniversário e a recuperação acelera-se com a liberdade de conduzir para onde lhe desse a vontade, sobretudo para junto de Amy, que conseguira, felizmente, matricular-se numa universidade nova-iorquina, excluindo-se assim a possibilidade de se afastarem um dos outro. E a falta de dedos revela-se providencial na altura em que todos os rapazes da sua idade começam a ser chamados para os teatros de guerra na Indochina.
Numa outra versão o tempo regressa a 1961 e encontra-o prostrado pela rutura com Amy, que o acusara de egocêntrico, agressivo nos afetos e passivo nas questões sociais. Para vencer a solidão vê filmes europeus no cinema Thalia e envolve-se a contragosto com breve episódio homossexual com um rapaz três anos mais velho.

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