quarta-feira, fevereiro 01, 2017

(DL) Nelson Rodrigues, Pedro Eiras e John Berger

1. Dias atrás, em visita a uma das grandes livrarias de Almada, dei com um expositor dedicado exclusivamente a Nelson Rodrigues de que se andam a publicar diversos títulos entre nós.
Há quem aprecie muito o seu tipo de humor. Não é o meu caso, que rapidamente o meti no índex pessoal a partir do momento em que ele afiançou ser Marx uma besta, o sexo uma coisa para operários e o socialismo um pesadelo humorístico da História. Não é por acaso que as direitas exultem com os seus textos! E até Carlos Pessoa, um encenador que acabou de estrear «A Vida como ela é», peça baseada nalguns dos seus textos, não deixa de reconhecer que o escrevinhador acreditava piamente nas vantagens de dar pancada na mulher.
Os livros e peças de teatro ai andam. A justificar um provérbio a que dou valor substantivo: “diz-me o que lês, ou vês, e dir-te-ei o energúmeno que és!.
2. Concluí «Cartas Reencontradas», o romance de Pedro Eiras dedicado às supostas cartas escritas por Fernando Pessoa a Mário de Sá Carneiro enquanto ele vivia os seus últimos meses de vida no Hotel Nice em Paris.
Reiterando o que disse em posts passados o Pedro Eiras continua sempre a surpreender-me em cada título que lhe leio. A capacidade para se meter na pele do personagem e lhe reproduzir o estilo e a sintaxe é digna de justificada admiração.
Nas páginas finais, as que já correspondem às missivas do ano de 1916, Pessoa e Sá Carneiro vivem irremediáveis apertos financeiros, que se tornarão tão insuportáveis ao segundo, que acabará por se suicidar. Quanto ao autor dos heterónimos a pobreza soma-se à crise existencial suscitada pelo estudo da Teosofia e tendo como consequência um maior desencontro consigo mesmo. Tendo em si tão múltiplas personalidades, vivia, e viveria, em constante desassossego…
3. «Aqui nos Encontramos», o livro de John Berger - que decidi ler a pretexto da sua recente morte e do desconhecimento da obra -, não me motivou grande satisfação. Os elogios que lhe vi associados pecavam pelo exagero, dado que, enquanto escritor-viajante, lhe prefiro bem mais o Bruce Chatwin.
Num dos textos desse título ele conta-nos a visita à Gruta de Chauvet, em França, onde homens do Cro-Magnon criaram pinturas rupestres, quinze mil anos antes de outros, em Lascaux, os terem imitado. Atónito com o que viu, Berger questiona-se: “Com que frequência aqui vinham? Terão aqui trabalhado gerações de artistas? (…) - uma estranha formulação, e contudo incontestável.” (pág. 127)
Noutro texto, em Madrid, enquanto espera por um amigo no hall de um hotel, o narrador observa a fauna de economistas, artistas de televisão, velhas senhoras, falando com outro cliente, trazido da sua memória. É Tyler, o velho professor, que lhe ensinara a escrever e morto num acidente, cinquenta anos depois da Segunda Guerra Mundial, que tivera todo o aspeto de um suicídio. Tratara-se a seu ver da forma de pôr fim à indigência em que se deixara tombar. 

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