domingo, fevereiro 19, 2017

(DIM) Passear os cães pelas lixeiras da Amadora

Uma das críticas mais demolidoras que li sobre cinema português foi há muitos e bons anos, quando a RTP criou uma série baseada num romance de Aquilino Ribeiro. O realizador era António Faria, hoje já quase totalmente esquecido do meio cinematográfico luso, e o protagonista um jovem Herman José, apostado em demonstrar talento dramático para além do de fazer rir. Era ele o Homem que Matou o Diabo e passava cenas inteiras a passear-se pelos campos da Beira Alta sem outros motivos, que não parecessem os de prolongar a fita até aos minutos contratados por quem a decidira produzir.
A coça que deram ao Faria por esses travellings sem fim!
Lembrei-me dessa críticas ao ver «A Cidade e o Sol», uma curta-metragem de Leonor Noivo, rodada há cinco anos. A estória é muito simples: alertada por alguém, uma mulher vai a casa do ex-namorado, subitamente desaparecido, para lhe ir buscar os cães abandonados na varanda e levá-los não se sabe bem para onde. Com base nessa ideia de luto, a realizadora mandou a atriz Sara Gonçalves armar-se de expressão abúlica e passear-se, primeiro pelas ruas de Lisboa, depois pelos baldios da Amadora cheios de lixo. 
Do que ela sente nada conseguimos pressentir, que a expressividade do rosto da atriz é tão impenetrável como o de uma esfinge. Quem era o dono dos cães, tão pouco, só o sabemos por um breve diálogo, ter sido muito importante para a protagonista.
É certo que, numa entrevista, a realizadora reivindica a condição de personagem para os objetos captados pela sua fotografia, minuciosa no detalhe, imaginativa na escolha dos enquadramentos. E esforça-se, de facto, nesse sentido. Mas não lhe sentimos a «voz», a personalidade própria.
Sei muito bem que o cinema português têm uma pavorosa falta de meios. Que beneficiando da facilidade de rodar filmes de baixo custo, graças à utilização das câmaras digitais, a nova geração de cineastas - aquela que anda agora pelos 30/40 anos - procura criar obra tão vasta, quanta a vontade de por ela ser reconhecida e, enfim, dignamente subsidiada. Mas é preciso ter ideias com alguma substância. O que não é o caso deste filme com menos de vinte minutos. Por ele somos levados para vidas alheias, que nos continuarão absolutamente desconhecidas e por paisagens suburbanas, cuja fealdade só nos pode incomodar. Se o objetivo é esse, o de nos suscitar algum desconforto, ele é conseguido. Mas desconfio tratar-se de efeito colateral de intenção alternativa cujo desígnio ficou por esclarecer.


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