sexta-feira, setembro 23, 2016

(V) «Os Dominadores» de John Ford (II)

O que eu admiro em John Ford é a sua posição de princípio ao manifestar a sua solidariedade com os realizadores, argumentistas, atores e muitos outros técnicos de cinema que, no auge da Guerra Fria, se viram perseguidos pela caça às bruxas em Hollywood. E reconheçamos que «As Vinhas da Ira» sempre integrará a História dos filmes mais progressistas de entre todos quantos foram feitos nesta sétima arte.
Diga-se em favor do realizador que, apesar de os convidar para serem os maus da fita, a contratação de índios navajos para figurantes dos seus filmes - deste e dos que se seguiriam! -, tinha um objetivo humanista a não esquecer: a remuneração por esse desempenho permitia-lhes mitigar a extrema miséria em que viviam.
Acrescente-se que transmite, igualmente, uma imagem subliminarmente positiva das nações índias, no quanto sentem orgulho pela sua cultura e tradições, apesar das contradições entre os seus mais jovens guerreiros e os velhos chefes, um dos quais amigo do personagem principal interpretado por John Wayne.
Ademais conclua-se, para desmontar os mitos sobre o belicismo de John Ford contra os índios, que, neste filme, só se veem efetivamente três brancos a serem por eles mortos, todos eles odiosos traficantes de armas.
Podemos, pois, considerar que, mesmo sendo um homem conservador, John Ford não se coaduna com uma certa imagem de racismo e de intolerância, que se lhe possa colar.
O título português é, nesse sentido, deturpador do sentido geral da história. Que pena ter sido preterida a tradução literal do original - «She Wore a Yellow Ribbon» - que, na utilização do seu tempo passado, condiz com a nostalgia por um universo em vias de ser eliminado, até pelo facto de Nathan Brittles deixar a vida ativa, onde imperara a integração num grupo, para se ver condenado à solidão de quem dela se retira.
Mas se podemos enfatizar o génio de John Ford não podemos esquecer os méritos do argumento, assinado por Laurence Stallings e Frank S. Nugent. Devem-se-lhe momentos lindíssimos como aquele em que, recortado no céu avermelhado do crepúsculo, Nathan confia à mulher, junto a cuja cova se perfila, o que fizera durante o dia. De repente cresce uma sombra na pedra e a câmara sobe para revelar a presença de Olívia, que lhe vem oferecer algum consolo. Ou também a cena exaltante em que desfilando uma última vez perante os homens, que comandara, recebe um relógio de prata, cuja inscrição o obriga a pôr os óculos para a ler (ideia de Wayne durante a rodagem da cena!).
As sucessivas revisões do filme justificam-se pela oportunidade em detetar os pequenos gestos, que diferenciam uma obra-prima de uma coisa banal carpinteirada por um tarefeiro. Momentos únicos como o de Brittles a dar um toque no ombro de Olívia para a confortar ou esse mascar de tabaco no momento de tomar as grandes decisões s~~ao disso lapidares exemplos.
Muito mais do que um filme de «cóbóis» este título de Ford merece ser reavaliado e valorizado como uma das grandes obras do cinema americano dos anos 40.

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