quinta-feira, setembro 29, 2016

(L) «O Escrivão Público» de Tahar Ben Jelloun (IV)

Ao regressar a casa para viver alguns períodos de férias, o narrador olha para os pais e interroga-se se eles terão sentido alguma vez amor entre si: “Há tanto silêncio e incompreensão a pesar na vida deste casal que, à força de pudor, excluiu das suas relações toda a ternura.” (pág. 143)
Se eles lhe parecem distantes, o país natal suscita-lhe sentimentos contraditórios. Por um lado reconhece que “o país não vai na minha mala; fica no seu lugar, inamovível, presente em cada uma das minhas palavras, nos meus gestos, nas minhas ilusões. Não falo de recordações. Este país não se reduz a esse estado de coisas”. (pág. 146)
Mas, meia dúzia de páginas adiante reconhece que cada regresso a casa acontece por necessidade de sobrevivência, de tantas saudades. Sofridas: “quando cá volto apenas percorro o longo caminho do Inverno, procurando uma saída no labirinto, uma porta que dê para um espaço despido, branco, afastado do pensamento e da recordação.” (pág. 152)
A pacificação final com o espaço identitário acontece uma noite, num café de Tânger, depois de o ver encerrar as portas, e sentindo-se ali eivado de uma emoção clarificadora: “ Vou passar a noite nesta cadeira, sem fechar os olhos, sem pedir ajuda. Esperarei, acorrentado a mim mesmo, liberto da minha sombra, com um rosto que sei sereno e um coração reconciliado com o país interior, a terra que respira, vive e avança. Esperarei até que apareça com a aurora o rosto da amada, o único capaz de me levar para casa, para todos os lugares em que os meus pés descalços são aquecidos pelas pedras da ilha, para todos os lugares em que o rosto desmente o desespero de viver, e nas mãos delas nascem as estrelas da manhã.” (pág. 162)
Conclui-se, assim, esse encadeamento de retornos ao passado, que ainda evoca muitos dos pressupostos do «nouveau roman». A busca da identidade faz-se através do questionamento do tempo, da história, da morte, dos motivos da errância, do exílio, da angústia sem esquecer o poder das palavras.  O romance não deixa de ser uma interrogação sobre a escrita em si e sobre a experiência extática do escritor.


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