sexta-feira, setembro 02, 2016

(L) Voltar a ler Steinbeck

Uma das grandes descobertas literárias da minha adolescência foi a de John Steinbeck.  Estou convicto de ter tido em «Vinhas da Ira» um dos romances, que me ajudaram a criar uma orientação ideológica para a esquerda, que nunca mais conheceu qualquer inflexão. Cheguei ao 25 de abril com 17 anos e uma enorme vontade em ajudar a construir um mundo mais justo, onde a exploração do homem pelo homem viesse a ser, senão eliminada, pelo menos seriamente restringida.
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Foi bastante mais tarde que tomei conhecimento do lado obscuro da biografia do escritor: não tanto o apoio ao esforço de guerra do Pentágono no Vietname, que serviu apenas de confirmação dessa deriva progressiva da esquerda mais consequente para a direita radical, mas a história pouco conhecida de se ter oferecido à CIA como seu agente secreto durante os anos 50, já que a imagem anteriormente criada lhe tinha facilitado o acesso frequente aos países do Leste Europeu.
No fundo tratava-se do regresso a uma casa para que trabalhara durante a 2ª Guerra Mundial, embora ainda não tivesse adotado a sigla sinistra por que se tornaria depois mais conhecida.
Reler Steinbeck tem pois essa ambivalência latente quanto a quem ele seria verdadeiramente: o homem sensível à pobreza e às desigualdades sociais como aparentara nos anos 30 ou quem escreveria como última obra um requisitório contra a decadência moral da América? O espião imperialista ou o corajoso apoiante de Arthur Miller quando este se viu na fogueira da caça às bruxas mcCarthista?
Este verão as prateleiras das livrarias voltaram a disponibilizar a «Viagem com o Charley», que relata a longa viagem por ele feita pelo interior dos EUA apenas acompanhado pelo cão e a parar em motéis decadentes.
A verdade terá sido que, em mais de metade do caminho, contou com a companhia da mulher e que foram mais as noites passadas em hotéis de luxo do que no tipo de poisos de que se reivindica no livro. No fundo liberdades criativas de um autor, que ganhou o Nobel em 1962, num ano em que os académicos suecos se viram aflitos para, de entre os autores medíocres na liça, escolherem o que fosse menos mau... 

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