quinta-feira, setembro 15, 2016

(V) As Cartas da Guerra segundo Ivo Ferreira

Já disse e redisse, que não gosto nem um bocadinho do António Lobo Antunes, apesar de ter lido com entusiasmo os seus primeiros romances. Porém, quando o sapateiro quis começar a tocar rabecão, julgando-se exímio tocador, e até com direito a Nobel, nunca mais pude com a criatura, que se me tornou no sinónimo do invejoso, do despeitado por, muito mais merecidamente, ter sido Saramago a recebê-lo.
O filme que o Ivo Ferreira rodou a partir das cartas por ele escritas à esposa de então, quando estava na Guerra Colonial, não teria suscitado grande interesse da minha parte, se não fosse o trailer que me fez vislumbrar obra escorreita, mais do cineasta do que do autor das palavras epistolográficas, que lhe serviram de guião. E, então, se me oferecem uma obra a preto-e-branco com a fotografia exemplar aqui oferecida, consigo contornar os ódiozinhos de estimação e ir ao desafio do que ela me oferecer.
E o que temos é uma representação fiável do que poderiam ser os testemunhos de milhares de jovens, que foram para África  com um eventual sentido do dever (seja lá o que isso for!) e alimentando-se da curiosidade por um espaço completamente novo, mas depois submetidos a tal stress psicológico, que iam olhando à volta com uma perspetiva cada vez mais cínica e desencantada. Às tantas fugir dali é o que mais desejam, como sucede com o major a quem uma baixa médica decretada pelo protagonista, médico do batalhão, se lhe afigura como única saída.
Há também os que vão morrendo por ação das minas ou os que iludem o medo e a sensação de terem ficado parados no tempo à custa de muito álcool ou dos filmes com António Calvário, cujos diálogos chegam a saber de cor. E a própria liderança afina pelo mesmo diapasão, com o Capitão, a replicar Melo Antunes, a só se preocupar com a salvaguarda dos seus homens, sem atender aos objetivos estratégicos superiores.
Ao sair da sala não mudei nem um bocadinho a cristalizada opinião sobre o escritor menor, que ninguém lembrará dez ou vinte anos depois de fisicamente desaparecer. Mas o filme de Ivo Ferreira ficará como um dos mais bem conseguidos sobre a realidade do que foi a Guerra Colonial.

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