quarta-feira, setembro 07, 2016

(V) «Le Cose Belle» de Agostino Ferrente e Giovanni Piperno (2013)

Em Nápoles a expressão «cosi belle» usa-se como um cumprimento de despedida. Deseja-se com ela que o interlocutor conheça coisas boas.
Para Enzo, Silvana, Adele ou Fabio não é isso o que acontece entre 1999, quando os conhecemos como adolescentes ou em vias de se tornarem, e 2012 já na condição de adultos. E o que se perde nesse hiato é o sorriso. Não quer dizer que ele expressasse felicidade, quando eram miúdos, mas traduziam a vivacidade de quem imaginava ainda tudo lhes ser possível. Em adultos as ilusões esvaíram-se, o quotidiano é de permanente luta pela sobrevivência no meio de tantas dificuldades, e não se vislumbra qualquer luzinha brilhante ao fundo de tão negro túnel.
Adele queria ser modelo. Mas mostrava-se insatisfeita com a atenção dada prioritariamente ao irmão, entretanto transformado na transsexual Jessica sem quaisquer entraves preconceituosos por parte da mãe. Se se veio a aproximar do sonho foi para ganhar um complemento de ordenado a dançar no varão de clubes noturnos depois de passar os dias nas limpezas de quartos de hotéis.
Enzo queria ser cantor de músicas napolitanas e sonhava ir para o Conservatório. No entretanto, passava as noites a acompanhar o pai de restaurante em restaurante, ganhando umas moedas a afinar a voz em exibições fugazes. Anos depois, ganha a vida precariamente como vendedor de contratos para uma operadora telefónica, continuando a percorrer as ruas da cidade para ir batendo a todas as portas em busca de improvável sucesso.
Silvana vivia com o pai, depois de ter visto a mãe abandonar o lar. Passa o tempo a lavar o chão ou a loiça das refeições, mas tem como grande projeto chegar virgem ao casamento. Reencontramo-la, precocemente envelhecida, a apoiar a mãe doente, a visitar o irmão mais novo na prisão, continuando  nos mesmos gestos domésticos que lhe conhecêramos antes.
Fabio era o mais reguila de todos, com uma impetuosidade, que lhe pareceria adequada para abrir as portas de um futuro indefinido. Acompanhava, então, a mãe à lota, onde era a única mulher (e por isso suscitava reações misóginas dos demais) e adorava jogar à bola, embora já lhe tivessem dito não ter talento bastante para singrar por aí. O adulto em que se tornou é ensimesmado, quase apático, porventura devido ao assassinato do irmão mais velho a quem muito admirara. Agora vai tentando empregos circunstanciais, que detesta por se sentir explorado, e olhando sem esperança para os tempos que virão.
O filme em si vale mais pelo conceito do que pela forma como se concretizou, mas demonstra bem como as classes mais desfavorecidas não conhecerão qualquer acesso ao ascensor social se não forem instadas a, desde muito cedo, instruírem-se. Quando Silvana confessa não gostar da escola e já ter chumbado vários anos, sabemos que quaisquer sonhos lhe estarão vedados. E para essa estagnação, se não mesmo retrocesso no estatuto social, contribui igualmente a subcultura pimba em que todos eles mergulham, sem a consciência de residir nela um dos principais atilhos da sua ulterior condenação.
Sente-se, e muito!, a falta das antigas organizações populares - de que em nós a «Voz do Operário» constituiu exemplo lapidar - apostadas em elevar as capacidades e as competências desses estratos, libertando-os das grilhetas da ignorância e do preconceito.

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