segunda-feira, setembro 12, 2016

(L) «Austerlitz» de W.G Sebald

Não tivesse falecido prematuramente num acidente de viação e W.G. Sebald seria um dos grandes autores do nosso tempo como o prenunciavam os seus quatro principais títulos onde sobressaia a missão de exumar do passado os fragmentos nele sepultados porque “o mundo como que se vai esvaziando de si mesmo à medida, que já ninguém ouve, regista, nem conta as histórias relacionadas com todos esses sítios e objetos, que por si mesmos, não possuem a capacidade de recordar.”
Por isso os livros relatam-lhe as viagens, as descobertas, suscitando associações de ideias, como se ele fosse um arquivista, um peregrino ou um confessor. Entre a história alemã e a judaica, Sebald vai detetando correspondências escondidas e epifanias, ilustradas com as fotografias do autor, que as insere no seu texto e sobre elas comenta. Sebald torna-se, assim, numa espécie de arqueólogo da memória, em apostada empatia com os que, no século XX, desapareceram ou forma salvos.
Joseph Austerlitz, o protagonista deste livro, foi um dos que desapareceu e, ao mesmo tempo, foi salvo. Porque só quando morrem os que julgara serem os seus pais - um casal de pastores muito piedosos, mais inclinados para a severidade que para o amor - é que descobre a sua verdadeira identidade: Dafydd Elias, uma das crianças, que fora enviada de Praga para o País de Gales no último transporte, antes dos judeus ficarem encerrados nas intransponíveis fronteiras vigiadas pelos nazis. Despojado da identidade anterior, Joseph vai constatar o total desaparecimento do que a tinha consubstanciado.
Encontrando-o pela primeira vez em Antuérpia, o narrador reencontra sucessivamente Austerlitz noutras capitais onde ele vai procurando os documentos ilustrativos dessa pretérita existência, acompanhando-lhe a evolução, sem lhe conquistar a amizade, já que se sente como que uma espécie de psicanalista a orientá-lo no seu percurso labiríntico.
É assim que Sebald fica a conhecer o que Joseph soubera de Vera, que servira como criada em casa dos seus pais, Maximiliano e Ágata, em Praga. Ou todo o percurso por ele feito até Terezin, onde se apagaram definitivamente os vestígios da passagem de Ágata pela vida. Ou ainda a busca do rasto do pai,  apanhado pelas rusgas da Gestapo em Paris e provavelmente encerrado no campo de Drancy antes de ser enviado para o destino fatal.
Quase a acabar o livro, o narrador abre um outro, que Joseph lhe dera na primeira vez em que se tinham encontrado: era o relato feito por um tal Dan Jakobson, que procurara os traços do avô, um rabino lituano, cuja viúva e os nove filhos tinham emigrado para a África do Sul na década de 20 do século transato. Junto a uma mina onde eles se tinham radicado, Jakobson constatara não haver transições entre a vida e o seu contrário. O que leva Sebald a concluir: “o abismo, onde nenhum raio de luz consegue penetrar, é a imagem escolhida por Jakobson para falar do passado da família e do seu povo, de que sabe impossível extirpar das profundezas para o devolver à superfície.” 

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