segunda-feira, junho 22, 2015

Spinoza entre grades

A cena passou-se há um ano atrás no Salon du Livre, quando a ministra da Justiça Christiane Taubira estava a assinar autógrafos no pavilhão da editora Flammarion.
Na fila coloca-se um homem, já idoso, que se apresenta como François Besse, quando ela se preparava para lhe assinar o livro.
A governante levantou os olhos e contemplou aquele homem cujo nome não lhe passava despercebido: ele fora o lugar tenente do inimigo número um da sociedade francesa, Jacques Mesrine, a quem acompanhara na célebre fuga da prisão, em 1979, que se concluíra com a morte dele num desiderato com o seu quê de Lucky Luciano.
François já não era nessa altura um menino de coro: crimes anteriores tinham levado um tribunal a condená-lo à morte à revelia, quando ainda Mitterrand não chegara ao governo e acabara com esse tipo de pena.
Nos vinte cinco anos subsequentes à sua captura, quando já ia na sexta fuga, François empreendeu um verdadeiro trabalho de reconstrução da sua personalidade, estudando filosofia e tornando-se num especialista em Spinoza.
Esse percurso pessoal, que o escritor e jornalista Mathieu Delahousse passou a testemunhar, seja na forma de um livro, seja na de artigos de imprensa, demonstra a possibilidade de alguém se regenerar.
Quando foi ao encontro de Christiane Taubira, François já estava em liberdade condicional e trabalhava na comunidade Emaús a recuperar materiais reutilizáveis de telemóveis e computadores atirados para o lixo. Ainda assim ele sente na pele as dificuldades de não conseguir arranjar um emprego, quer devido à idade, quer por causa da sua notoriedade, e de nunca ter descontado para lhe ser atribuível uma pensão de reforma.
O paradoxal é que, à partida, nunca lhe passara pela cabeça enveredar pela via do crime: tudo começou em 1971, em Bordéus, quando deu guarida a um amigo, que lhe escondeu o facto de estar a fugir à polícia. Preso e torturado na sequência desse equívoco, estava definido o que seriam os anos seguintes, ora feitos de assaltos, ora de encarceramento por deles ter sido acusado.
Agora, chegado aos setenta anos, François Besse é uma personalidade singular, que ainda suscita grandes inquietações em quem vê num criminoso alguém incapaz de ser quem não se pensa que ele é... 

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