quarta-feira, junho 03, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Fitzcarraldo» de Werner Herzog

Em 1982, Werner Herzog ganhou o prémio de melhor realização no Festival de Cannes com este «Fitzcarraldo», projeto desmesurado, que poderemos rever esta tarde, às 15.30 na Cinemateca.
O que surpreende na filmografia irregular do realizador alemão é a facilidade com que se propôs a desafios insensatos, que mais ninguém pensaria levar por diante. Como, por exemplo, realizar efetivamente a façanha a que se Fitzcarraldo se irá propor: carregar com um barco de quase quatrocentas toneladas por uma montanha acima só á força de braços.
O filme retrata a história verdadeira desse Fitzcarraldo, nome por que ficou conhecido um visionário meio louco, Brian Sweene Fitzgerald, que idealizou construir o maior teatro de ópera do mundo em Iquitos, no coração da Amazónia. O seu sonho era ouvir Enrico Caruso e Sarah Bernhardt a interpretarem uma ópera de Verdi no coração da Amazónia.
Viviam-se, então, os tempos fartos da exploração da borracha, quando todas as bizarrias pareciam admissíveis, porque as fortunas geravam-se quase de um dia para o outro. Foi, pois, para imitar os abastados plantadores que conhecera em Manaus, que Fitzcarraldo conseguira uma concessão na zona inóspita da floresta junto ao rio Uycali, e só acessível depois de atravessados os respetivos rápidos.
Procurando atingi-la através do rio Pachitea, que ficava apenas separado do Uycali por uma montanha, ele idealizou içar o seu barco a vapor fazendo-o subir esse obstáculo.
O projeto saldou-se por um rotundo fracasso, mas quem apostaria que Fitzcarraldo desistiria? O próprio barco é transformado num teatro, onde são acolhidos os cantores e os músicos contratados para o único espetáculo ocorrido naquela região amazónica.
Tão ambicioso quanto o seu personagem, Herzog decidiu rodar o filme a 1400 quilómetros da aldeia mais próxima. A comida chegava de avião ao local de filmagens, mas essa foi a dificuldade mais fácil de superar, porque os acidentes acumularam-se transformando a rodagem num inferno:
- o guia em cujos conhecimentos da região se fiavam, foi mordido por uma serpente venenosa e, para salvar-se, pediu que lhe cortem a perna afetada com uma serra elétrica;
- nessas semanas desabaram duas das maiores chuvadas que a região conheceu no século XX, transformando-a num lamaçal;
- as filmagens foram frequentemente interrompidas por tribos índias então em disputa com as companhias petrolíferas obrigando-os a sair dali;
- os atores inicialmente contratados para desempenharem o papel de Fitzcarraldo e do seu principal ajudante, foram desistindo, Jason Robards por adoecer com desinteria, Mick Jagger entretanto ocupado pelas tournées dos Rolling Stones;
- Klaus Kinski, que será a solução de recurso, criou tantos conflitos com toda a equipa, que figurantes índios chegaram a questionar  Herzog sobre se quereria que o assassinassem. Só porque pensou  quão difícil seria então concluir o projeto é que obstou o realizador de anuir já que a relação de ódio com Kinski estava agudizada…
Não faltam, pois, razões para um regresso a uma das obras mais fascinantes dos anos 80. 

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