quinta-feira, junho 11, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: À descoberta de Ingo Schulze (1)

Ingo Schulze nasceu em Dresden  em 1962 e é considerado na Alemanha como o escritor da reunificação. O seu terceiro romance - “Histoires sans gravité. Un roman de la province est-allemande” - teve um enorme sucesso, não só da crítica, mas também dos seus próprios pares, que o tomam como uma das mais prometedoras vozes da literatura alemã dos nossos dias.
Depois de estudos em Filologia Clássica, Ingo Schulze optou pela carreira de dramaturgo em Altenbourg e de crítico numa revista semanal por si fundada e com papel determinante nos acontecimentos de Leipzig em 1989.
Uma estadia em São Petersburgo no início dos anos 90 forneceu-lhe matéria para os seus “33 moments de bonheur”, que correspondem a outras tantas histórias enfiadas umas nas outras como se fossem matrioskas, que no todo constituem um romance de aventuras recheado de histórias onde o fantástico e o maravilhoso competem com o sórdido e o grotesco.
O autor faz-se passar pelo editor de um manuscrito, que lhe teria chegado pelas mãos de uma mulher depois de o ter encontrado abandonado por um estranho passageiro chamado Hofmann no comboio entre Berlim e São Petersburgo.
Nesse texto percebe-se que ele prefere inventar as situações, que relata do que investigar minuciosamente o seu conteúdo. Dificilmente se pode encontrar maior distância entre um autor e a sua obra feita de histórias de estilo e tonalidades muito diferentes entre si, que refletem o caos da transição da União Soviética para a Rússia desse início da década de 90.
Ora optando pelo registo policial ora pelo monólogo intimista - como o do empregado de escritório apostado em fugir à desordem, que o cerca, agarrando-se à imperturbável rotina do seu quotidiano - elas revelam o retorno à Rússia de algo que se julgava esquecido ou recalcado: um museu quase abandonado transforma-se num local de peregrinação só porque há quem creia nos milagres causados por um ícone ali exposto. Ou uma mulher que, numa praça pública, se une a um moribundo acompanhando-o na passagem para o além, e é depois venerada como uma santa. Ou um homem de negócios tão bom anfitrião, que recebe um visitante ocidental e põe-lhe à disposição a casa e a própria esposa. Ou ainda o tráfico de armas empreendido por um grupo de miúdos.
Em vez de se revelarem vítimas lacrimejantes ou estereótipos, as personagens de Schulze transformam-se em figuras míticas num país que se deixa empurrar para a mudança como se se tratasse do destino incontornável das antigas tragédias gregas.
À medida que se avança na leitura começa-se a suspeitar que a sombra do grande E.T.A. Hoffmann sobrevoa esse misterioso Hofmann, suposto autor do manuscrito perdido. Pouco dele se saberá para além de o identificarmos como um leitor apaixonado da literatura universal. Cabe ao leitor deliciado seguir as pistas que levam a Pouchkine, Nabokov, Boulgakov ou Daniel Charms.

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