terça-feira, junho 16, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: Douglas Kennedy, um americano em Paris

Há 15 anos o escritor Douglas Kennedy decidiu mudar de vida e aprender a língua francesa. Após oito anos de esforços conseguiu ficar quase bilingue e passa muito tempo em Paris, embora também resida uma parte do ano em Berlim, em Londres, em Montréal e numa pequena vila norte-americana. A vocação de viajante leva-o a aventurar-se pelo mundo, onde encontra matéria para, agora, convidar os leitores a acompanharem-no a Marrocos onde se passa o seu mais recente romance. «Mirage».
A infância foi triste e complicada num bairro do west side de Manhattan, com um pai católico irlandês, que se dedicava aos negócios, e uma mãe hoje por ele assimilada a uma Ema Bovary judia tal qual poderia aparecer nos romances de Philip Roth. Em adulto, sentiu exacerbarem-se-lhe problemas existenciais que passou a exorcizar na atividade de escritor. Antes do sucesso literário fez múltiplas coisas, desde encenador em Berlim a jornalista e crítico literário na Irlanda.
O segredo da empatia que suscitou em numerosos admiradores reside no relato de vidas em reconstrução onde as pequenas mentiras desvendam as grandes verdades, sobretudo ao tomar como pano de fundo os personagens que se desejam ver noutro sítio, que não o seu, nessas conjugalidades fracassadas e cheias de imprevisíveis desenlaces.
Com a história de um casal em crise a viajar no Sahara, Douglas Kennedy reconhece, em «Mirages», a sombra inspiradora de Paul Bowles e da grande rainha do suspense, Patricia Highsmith.
Robyn, a protagonista, está quase a chegar aos quarenta anos e sabe ser essa a altura decisiva para apostar, ou não, na maternidade. Quanto ao marido a ideia não se coloca, desejoso de prosseguir a existência hedonista, que tem sido a sua até aí.
A questão que se coloca é a de saber se o amor é mais do que uma miragem, já que as mentiras e as traições surgem quando menos se espera.
Robyn sabe que Paul está longe da perfeição. Artista errático e irresponsável na forma como gasta o que ganha, lida mal com os limites do quotidiano. Embora se amem, sentem que a crise é iminente.
A viagem a Marrocos é vista por ambos como  a oportunidade para um reencontro afetivo, mudando de ares, aproveitando a maior disponibilidade para estarem a dois e talvez gerarem esse bebé por ela tão desejado.
A aposta parece ganha logo que chegam, porque ele põe-se a pintar e Robyn a sentir-se feliz. Mas, de súbito, revela-se um segredo tão pesado e explosivo, que tudo destrói, tanto mais que Paul desaparece.
Vivendo um intenso sofrimento, mas aterrorizada pela ideia de perder aquele que não pode deixar de amar, Robyn decide procura-lo. E essa busca condu-la ao fundo dela mesma...
Para além da intriga em si, o romance é muito revelador quanto à atração de Douglas Kennedy pela paisagem marroquina, fruto das suas doze viagens até tais paragens e, sobretudo, pelo fascínio em si exercido pela cultura berbere. Mesmo que enjeite a oportunidade para denunciar o Estado policial, que adota metodologias mais do que equívocas.

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