terça-feira, junho 02, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Felicidade» de Will Ferguson (VI)

No texto anterior deixáramos o protagonista, Edwin de Valu, a associar-se ao patrão, Mead, e ao antigo sr. Ética, para matarem Tupak Soiree por todos os danos causados pelo seu livro de autoajuda «O que Aprendi na Montanha».
A primeira tentativa de atentado falha clamorosamente, porque, em vez do verdadeiro autor da aberração, eles encontram um ator quase anónimo chamado Harry a desempenhar esse papel, e que foge da mansão luxuosa e das numerosas odaliscas tão só compreende os riscos de continuar a fazer-se passar por quem não é.
É numa modesta autocaravana estacionada no parque de campismo de Paradise Falls que eles acabarão por encontrar Jack McGreary. É ao conhecê-lo naquela cidade outrora próspera, mas agora decadente e quase enfiada bem dentro do deserto, que Edwin compreende o engano de ter julgado «O que Aprendi na Montanha» como a criação de um prodigioso informático com a perversidade de um Lex Luthor. O autor que o redigira ou compilara de fio a pavio era um septuagenário povoado pelas memórias da participação na Segunda Guerra Mundial e por anos a fio na Marinha Mercante. Agora restava-lhe a precária habitação cheia de livros.
Ao interlocutor cada vez mais decidido a ouvi-lo do que a abatê-lo, Jack explica: “a culpa não é minha. Dei ás pessoas o que elas queriam: não a liberdade, com as suas responsabilidades pesadas e opressivas, mas a segurança. A segurança contra terem de pensar. A segurança contra elas próprias. Eu sei o que as pessoas querem: não querem ser livres, querem ser felizes. E as duas coisas quase sempre se excluem mutuamente” (pág. 311)
Ao longo da conversa, que se prolonga madrugada adentro, Edwin percebe o que impelira Jack a ler dezenas de livros de autoajuda e a verter depois, recorrendo à escrita automática, as respetivas receitas de felicidade para as oitocentas páginas do seu livro: uma doença terminal estava quase a vencê-lo e contava ganhar o bastante para que o neto, que mal o conhecia, dele se viesse a lembrar com admiração.
Quando Edwin lhe faz ver que, num mundo apocalíptico como estava quase a acontecer, a fortuna do neto de pouco lhe valeria, Jack acede a escrever um segundo livro - «Como ser Infeliz» - que começa assim: ”Platão escreveu que a felicidade humana era o objetivo supremo da vida. Mas Platão era um tinhoso e a felicidade humana é extraordinariamente sobrevalorizada”. (pág. 324).
A exemplo do título anterior de Tupak Soiree esse livro também constitui um grande êxito de vendas, tanto mais que acumulam-se violentas disputas entre os partidários de um e do outro.
Pouco a pouco o mundo volta ao normal embora a relação de Edwin e Mary já não se recupere. Era o que faltava: num livro que deixa implícitos os riscos de uma felicidade coletiva, seria lícito imaginar possível um epílogo romântico ao estilo de um “happy ending” de Hollywood?

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