domingo, junho 28, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Na pele de Kim Jong-un» de Karl Zéro e Daisy d’Errata (2014)

A semana passada chegaram-nos ecos de uma devastadora seca, que está a afetar a produção agrícola da Coreia do Norte, que sobrevive, sobretudo, graças a esse setor de atividade. A nível humanitário pode-se temer o pior e ele aparece bem explicito neste documentário de Karl Zéro e Daisy d’Errata, quando se vê a entrevista a uma miúda esfaimada, que andava a vender erva como forma de ganhar algo com que mitigar a subnutrição.
Num filme com muitas imagens de arquivo impressionantes essa fica necessariamente na memória por nada dever a outras, que costumamos associar a países africanos.
E, no entanto, Karl Zéro e Daisy d’Errata até pretenderam criar uma sátira jubilatória sobre esse regime conhecido pelo seu hermetismo absoluto.
Sabe-se que o atual líder, Kim Jong-un foi promovido a esse cargo nos finais de 2011 e logo surpreendeu pela rapidez com que se livrou de um tio demasiado interessado em ser seu tutor. Depois, quando mandou executar a antiga amante e as suas bailarinas por terem atuado com pouca roupa num programa televisivo ou ordenou igual destino a um general, que teve o azar de adormecer durante uma parada militar, já poucos estranharam.
Ainda assim seria interessante conhecer as respostas para algumas perguntas: quem é ele? Que personalidade se esconde por trás da opacidade de um regime tão singular?
A exemplo do que já fizeram com Putin, Bush e Castro, os realizadores imaginaram-se dentro da cabeça de Kim Jong-un, espreitando-lhe para os pensamentos mais esquivos. É, assim, que concluem ele ter de si mesmo uma imagem muito negativa quanto à capacidade para exercer esse cargo. Muitos dos seus desvarios seriam devidos a uma baixa autoestima, que exige atitudes prepotentes como forma de compensação.
Zéro e Errata põem-no a consciencializar a sua própria natureza traidora e pequeno burguesa, que detesta o formal totalitário em que se vê obrigado a viver, e que mais não é do que o parque de atrações de uma ideologia desatualizada.
A originalidade do filme reside no facto de ser o próprio Kim Jong-un a pronunciar essas sentenças definitivas ao longo de um monólogo hilariante, mas também patético.
Tomando por modelo o processo estalinista baseado na autocrítica pública, o ditador acabará por surpreender os seus espantados súbditos com  revelações tão chocantes como a de ser filho do próprio avô, o qual seria amante da própria nora.
Fruto de uma laboriosa colheita de documentação e de imagens inéditas de arquivo, o filme é uma brilhante lição de geopolítica, a meio caminho entre a biografia histórica e um panfleto humorístico devastador... 

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