quarta-feira, junho 24, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: Histórias simples da Alemanha Oriental

O regresso à terra natal, situada na antiga Alemanha de Leste, e em plena metamorfose depois da queda do Muro de Berlim: é esse o tema das vinte e nove histórias curtas que Ingo Schulze criou a propósito do quotidiano dos habitantes de Altenbourg, na Turíngia, ainda muito perturbados e desorientados.
Bastaram algumas horas para que a antiga República Democrática Alemã tenha integrado a Alemanha e a sua nova ordem política e social. Mas, nove anos depois, as personagens de Schulze continuam à procura da felicidade num mundo em plena de/re/estruturação, mantendo a mesma ingenuidade e ligeireza.
São também omnipresentes as referências do autor colhidas na literatura e no cinema norte-americano. A história breve tão do agrado de Raymond Carver ou a originalidade de Robert Altman em  «Short Cuts» fornecem a tela em que ele projeta um universo sem mapas, povoado de seres que procuram manter-se equilibrados numa sela turbulenta.
O livro é um gigantesco puzzle que se vai construindo à medida que o vamos lendo. A exemplo das partículas coloridas de um caleidoscópio, os personagens vão transitando de cena, reaparecendo e desaparecendo por algum tempo ou definitivamente.
A narrativa acompanha essa flutuação correspondente à presença ou à ausência dos protagonistas. A linguagem é sóbria sem rodriguinhos nem exacerbamentos emocionais.
Schulze dá a palavra aos personagens sem aproveitar os silêncios para neles inserir julgamentos morais ou considerandos psicológicos. Limita-se a insuflar-lhes um humor delicado e irresistível.
Para abordar as mudanças verificadas na «província oriental», mas igualmente em todo o leste europeu, Ingo Schulze optou pelo relato fragmentado. Trata-se da sua forma de evocar a impossibilidade de ter o olhar e a mente a conseguirem captar mais do que alguns elementos dispersos da realidade, ninguém conseguindo ter dela uma visão global minimamente correta.
Não admira que a leitura não seja fácil, sempre tentada a deixar-se desconcentrar ou perder o fio à meada. Mas essa é a condição experimentada por Schulze e os seus personagens. Provavelmente até pela maioria dos habitantes da antiga Alemanha Oriental.

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