domingo, junho 29, 2025

"O Mal Amado" de Fernando Matos Silva: a última proibição

 

"O Mal Amado” foi o último filme integralmente proibido pela censura fascista em Portugal. Uma obra que explorava o desencanto da juventude e as tensões sociais do pré-25 de Abril de 1974 não poderia ser aceite por quem procurava controlar as narrativas e a perceção da realidade.

O filme foi apresentado à censura em fevereiro de 1974, e a decisão não foi surpresa. As autoridades consideraram-no "negativo" e "imoral", termos que a censura frequentemente usava para descartar qualquer obra que ousasse questionar as fissuras da sociedade. O retrato das inquietações estudantis, da frustração pequeno-burguesa e, implicitamente, das consequências da Guerra Colonial (através da personagem de Inês), eram temas demasiado "sensíveis" para um regime que se desmoronava, mas ainda resistia através da repressão. A proibição de "O Mal Amado" testemunhou  a paranoia e o controlo férreo que o Estado Novo exercia sobre a cultura e a liberdade de expressão até aos seus últimos dias.

A Revolução dos Cravos mudou radicalmente o destino do filme. De um momento para o outro, "O Mal Amado" passou de obra proscrita a um símbolo da recém-conquistada liberdade. A estreia, apenas um mês depois, em maio, foi um marco cultural e político inesquecível.

Lembro-me perfeitamente de o ter visto no verão em que fazia tropa no Alfeite. Naquele contexto "O Mal Amado" foi um sopro de ar fresco, uma epifania. O filme, que finalmente podia ser exibido sem os cortes da censura, trazia ao grande ecrã as angústias que tão bem compreendia – o desencanto, as pressões familiares, a sombra da guerra colonial, e a busca por um sentido num país asfixiado.

O que realmente me marcou foi a sensação de que, na nova realidade todos aqueles constrangimentos, que o personagem principal do filme sentia, pareciam ter solução. A asfixia dava lugar à esperança, a opressão à possibilidade. A liberdade de expressão, espelhada naquele filme finalmente sem cortes, era um prelúdio da liberdade que sentíamos estar a ganhar na nossa própria vida. "O Mal Amado" não era só um filme; era um espelho, e ao mesmo tempo, uma janela para um futuro onde as nossas próprias inquietações poderiam encontrar um caminho.

"O Mal Amado" transcendeu, pois, o estatuto de mero filme para se tornar um ícone. A sua trajetória espelha a própria história de Portugal naqueles dias decisivos, marcando a transição de uma era de opressão para uma de liberdade e abertura cultural. 

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