Estamos habituados a sentir um leque imenso de emoções na sala escura. Choramos, rimos, vibramos com os heróis e torcemos pelos finais felizes. Mas, e quando um filme nos recusa tudo isso? E se, em vez de esperança, nos oferece uma jornada pela mais profunda escuridão, sem promessa de luz ao fundo do túnel? É precisamente essa a proposta de "A Pedra Sonha dar Flor”, e é nessa ausência que reside a sua intrigante força.
Inspirado no universo soturno de Raul Brandão, Areias leva-nos à Vila Húmus, um lugar que exala decadência e desolação. Ali, acompanhamos o escritor K. Maurício, aprisionado nas teias da sua própria ficção, e Pita, uma figura que se deleita em orquestrar a miséria alheia. Crimes, alucinações e uma atmosfera gótica avassaladora pintam um quadro onde a redenção parece uma piada cruel. É um filme "sem esperança", mas essa característica, que à primeira vista poderia afastar, é o que o torna tão singular e poderoso.
A magia de "A Pedra Sonha dar Flor" reside na capacidade de gerar um efeito ambivalente em quem o vê. Ao recusar os caminhos fáceis do conforto e do otimismo, o filme empurra-nos para um desconforto visceral. E é nesse desconforto que se esconde uma oportunidade rara de reflexão. Somos obrigados a confrontar temas universais como a dor, a crueldade e o sentido – ou a falta dele – a existência. O filme não dá respostas, mas lança-nos perguntas que, por vezes, preferimos não fazer.
Para alguns, essa imersão na escuridão pode ser até catártica. É como se, ao testemunhar a angústia e o desespero dos personagens, pudéssemos libertar as próprias tensões ou processar emoções complexas de forma segura. A beleza aqui não está na alegria, mas na honestidade brutal da representação, que ecoa na nossa própria humanidade.
E há uma ironia fascinante na experiência de ver um filme tão desprovido de esperança: ela pode levar-nos a valorizar a nossa própria realidade. Depois de mergulhar num universo onde a luz é uma miragem, os pequenos vislumbres de alegria, as relações significativas e as possibilidades de um futuro melhor ganham um brilho renovado. "A Pedra Sonha dar Flor" não oferece esperança diretamente, mas, por contraste, pode fazer-nos reconhecer e apreciar ainda mais a que já possuímos.
Rodrigo Areias entrega-nos uma obra que desafia as convenções, exigindo mais do que a mera passividade do espectador. É um filme que, ao recusar-se a ser um bálsamo, convida-nos a uma profunda introspeção sobre o lado sombrio da vida, mostrando que mesmo na ausência da esperança, pode haver uma beleza crua e uma poderosa provocação artística.
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