A primeira vez que aterrei em Hong Kong foi no antigo aeroporto de Kai Tak e, felizmente, ainda não sucedera o ataque às Torres Gémeas de Manhattan. Se aquela chegada no 747 da Lufthansa infundiu-me o respeito ao vê-lo a ladear, se não mesmo a passar entre arranha-céus, não sei se não teria sentido medo profundo ao ver-me numa cena semelhante à dos passageiros dos voos depois utilizados nesse 11 de setembro.
“Chungking Express” capta a essência de Hong Kong de uma forma que ressoa com as experiências pessoais de quem visita a cidade. A confusão e a falta de espaço para o sossego, logo percecionadas na chegada a esse antigo aeroporto, é uma imagem vívida que o filme de Wong Kar-wai reproduz fielmente.
A ligação entre este título e a biografia do próprio realizador é evidente. O filme, lançado em 1994, é uma ode à cidade que moldou Wong Kar-wai que, nascido em Xangai, mudara-se para Hong Kong aos cinco anos, crescendo na efervescência e contradições da metrópole. A obra explora a melancolia, a solidão e a busca de elos nos ambientes urbanos, e “Chungking Express” é um exemplo paradigmático disso.
A cidade não é apenas um cenário porque, de muitas maneiras, assume a condição de personagem vital. A claustrofobia dos apartamentos minúsculos, a agitação incessante das ruas, ou os restaurantes e bares vibrantes refletem a experiência de Wong Kar-wai em viver num espaço superlotado e em constante movimento.
As narrativas fragmentadas dos dois segmentos do filme espelham a natureza caótica e imprevisível, onde as vidas cruzam-se e separam-se num piscar de olhos. A sensação de confusão e turbulência é acentuada pela rapidez da montagem, características de Wong.
Os temas da solidão, amor não correspondido e busca por cumplicidade humana no anonimato da cidade são recorrentes na obra de Wong Kar-wai e também em “Chungking Express”. Os personagens, sejam polícias, empregadas de cafés ou traficantes, vivem isolados, mas anseiam libertar-se da sensação de asfixia. O filme capta a intimidade que tanto pode surgir no meio de tanta gente, como a profunda solidão sentida entre as multidões.
Aterrar em Hong Kong, voando baixo entre os arranha-céus, era experiência única e perigosa, que simbolizava a própria audácia e singularidade da cidade. Essa chegada impactante e inesquecível ecoa na forma como o filme imerge o espetador no ritmo frenético e na atmosfera singular de Hong Kong. Não havia espaço para o sossego nem na chegada, nem na vida quotidiana, e o filme capta essa intensidade.
Na essência, “Chungking Express” é o reflexo íntimo da relação de Wong Kar-wai com Hong Kong. É uma obra que não apenas a retrata, mas sente-a e experimenta-a, transmitindo a singular magia de um espaço único.
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