sexta-feira, dezembro 16, 2016

(EdH) Cem anos passados sobre a morte de Raspoutine

Passam hoje cem anos sobre o assassinato de Grigori Raspoutine à porta do Palácio Youssoupov. Três tiros puseram fim ao visionário cuja suposta santidade coincidia com excessos desabridos.
Nascido em 1869, este modesto filho de um mujique adoecera gravemente aos oito anos e, na sua inconsciência tivera, segundo depois relataria, uma visão, que o convenceram da proximidade com os poderes divinos.
Ao crescer começa a ser admirado pelos dotes de adivinhação e de tornar calmos os mais selvagens dos cavalos. É no mister de curandeiro e pregador itinerante, que chega ao monte Athos na Grécia, onde o fervor místico se torna mais enraizado. No convívio com os sacerdotes aí fixados, o jovem Grigori compreende ser bem mais do que o provinciano embevecido pelo fascínio de um misticismo autoinduzido.
Em 1907 chega à corte imperial aureolado com a fama de capacidades sobrenaturais, que vão ao encontro de um ambiente muito favorável a tais crendices.
O czar, Nicolau II chegara ao poder aos 26 anos sem nada saber quanto às tarefas a desempenhar como líder de todas as Rússias Indeciso, incapaz de compreender a crise em que o país grassava, limitava-se a replicar o conservadorismo autocrático do pai por muito, que ele já não resistisse às mudanças entretanto ocorridas. Nomeadamente a divulgação de ideias socialistas particularmente bem recebidas pelo ainda incipiente proletariado. Delas ignorante, Nicolau considerava-se legitimado pelo direito divino e interessavam-no bem mais a vida familiar do que os assuntos do Estado.
Só dez anos depois do casamento com Alexandra Fiodorovna, e de quatro raparigas entretanto nascidas, é que surge Alexis, um herdeiro varão depressa evidenciado na sua fragilidade de doente hemofílico.
O medo de perder o filho nalguma hemorragia mais intensa, mantém a czarina em perpétuo receio e é nesse estado perturbado, que Raspoutine a irá conhecer. A influência, que depressa ganha, deve-a ao facto de substituir o psiquiatra ou o psicanalista, que Alexandra necessitaria nesse momento.
Como poderia ela evitar pôr o destino nas mãos desse homem estranho, que diziam capaz de parar o sangramento dos vivos?
Convidado para as receções no Palácio de Inverno, Raspoutine começa a congregar uma legião de fiéis à sua volta.
Nessa altura, e ao contrário dos demais países europeus, a Rússia nem tinha parlamento, nem Constituição. E, em 1905, as sublevações operárias tinham sido violentamente reprimidas. Mas até se verem perante o pelotão de fuzilamento o czar e a czarina estiveram sinceramente convencidos de serem amados pelos 70 milhões de súbditos, julgando-os representados na corte por Raspoutine, que viam como o paradigma da gente simples dos campos.
Ele era um sujeito extremamente inteligente e aproveitou para ganhar grande ascendente junto da à czarina, sobre quem não tardaram a espalhar-se rumores mais do que maliciosos. Essa proximidade também era explicada pela solidão em que Alexandra vivia na corte já que, oriunda da Alemanha, nunca se conseguira identificar com os cortesãos nem neles suscitar alguma empatia.
Ganham-se evidências de que certos maridos ambiciosos em ganharem influência junto dos czares, facilitavam os encontros das legítimas esposas com o místico. Ainda assim algumas senhoras da corte terão manifestado indignação com os indecorosos assédios a que ele as sujeitara.
Numa parte desse círculo em redor da família imperial ganham-se progressivos anticorpos contra quem nele sempre fora tido como exdrúxula presença. Tanto mais que o seu gosto exuberante pelas coisas boas da vida, mormente as orgias alegadamente organizadas em sua casa, criaram invejas e desconfianças.
Em 1914 Nicolau II tentou evitar a entrada na I Guerra Mundial ciente de ter como inimigo o cunhado e primo, mas as circunstâncias empurraram-no para o inevitável e viu-se obrigado a ausentar-se de São Petersburgo para liderar os seus exércitos. A regência fica entregue a Alexandra, que dá bem mais ouvidos a Raspotutine do que à maioria dos ministros.
À boca cheia circula a ideia de traição por parte da czarina, ainda que se temesse o que se ouvira Raspoutine proclamar: «se me matarem, é o fim da Rússia!».
Prepara-se assim a conspiração para suprimir o odioso personagem. A liderar a conjura está o príncipe Felix Yousssopov, um dos mais ricos latifundiários de todo o império. 
Convidando-o para uma receção, os conspiradores tentam envenená-lo com doces, mas Raspoutine não os costumava apreciar. Pressentindo o que pretende o anfitrião, foge para a rua e é aí, que Youssopov e os amigos o abatem a tiro e atiram o corpo para o rio, ali a passar quase ao lado.
Nunca se chegou, entretanto, a confirmar a tese do envolvimento dos erviços secretos ingleses, que saberiam das excessivas pressões de Raspoutine junto de Nicolau II, por intermédio de Alexandra, quanto à necessidade de estabelecer unilateralmente a paz com os Guilherme II.
A czarina encarrega-se do funeral do amigo como se de sua viúva se tratasse. Dois meses depois, quando eclode a Revolução de Fevereiro um dos principais atos dos revoltosos consistirá em procurar o local de sepultamento da execrada figura e queimar-lhe os despojos na caldeira de uma escola.
Nunca se divulgará a identidade dos assassinos. Se a nobreza já se estava a virar contra o czar, que diria o povo?
Nicolau II abdicará do trono, mas recusar-se-á a seguir para o proposto exílio. Será uma decisão trágica, porque ficará remetido ao local onde virá a será executado em 18 de julho de 1918.
Num certo sentido a previsão de Raspoutine acabou por se verificar: a sua morte foi, igualmente, a de uma certa Rússia imperial, que a sua influência apenas terá ajudado a sepultar.

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