terça-feira, dezembro 20, 2016

(DIM) Bridges, Loach, Hitchcock e Truffaut

1. É uma das formas mais fáceis de medirmos o quanto envelhecemos: olharmos para os rostos do cinema americano, que conhecemos como jovens ingénuos e cheios de vontade de mudar o mundo, como então nós próprios o éramos, e vêmo-los agora como velhos cínicos em papéis, que denotam o quanto ficaram distantes as nossas pretéritas ilusões.
Em «Custe o que Custar», Jeff Bridges é o velho xerife, que tenta capturar os assaltantes de sucessivos bancos texanos, como forma de angariarem o dinheiro necessário para desipotecarem a quinta familiar ameaçada pela voracidade dos bancos.
Espécie de western moderno em que os cavalos foram substituídos pelos automóveis, ele já não apresenta a promessas de redenção e recomeço associadas ao género, porque neste mundo cínico em que um presidente é eleito com a promessa de atacar o setor financeiro e depois chama para a sua Administração quem nele protagonizou as maiores tropelias, os bancos saem sempre a ganhar…

2. «Eu, Daniel Blake» ainda continua a merecer referências elogiosas dos seus mais insuspeitos espectadores. Mas há um aspeto, que não abordei nos textos a ele alusivos e fazem toda a diferença em relação ao mais banal filme militante: é que Ken Loach não racionaliza, não se limita a expor as ideias em que acredita ou os factos que denuncia. Ele carrega o filme de sentimentos e é explorando-os eficientemente, que melhor nos sensibiliza e indigna.
Quem disse que o melodrama não se coaduna com o cinema mais comprometido?

3. Gosto imenso dos filmes de Hitchcock e de Truffaut. Mas quando aquele se disponibiliza a revelar ao outro todo o seu estruturado pensamento sobre como criara a sua já vasta obra, temos um momento especial de cinefilia. 
Estava-se então em 1962 e o francês fora um dos que ajudara a criar o conceito de «Autor» com os companheiros de escrita nos «Cahiers du Cinema». Ora, o velho Hitch tinha todas as características para se integrar em tal classificação: embora aparentemente ligeiros, todos os seus filmes tinham especificidades, que só a ele correspondiam e os tornavam facilmente identificáveis. Era aquela capacidade para filmar assassinatos como se fossem cenas amorosas e vice-versa.
O documentário de Kent Jones é o testemunho dessa cumplicidade, que ainda hoje pode facultar respostas a quem sofre os dilemas quanto às razões justificativas dos atos criativos. 

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