sábado, dezembro 31, 2016

(DIM) Ver um filme onde existe outro

Pode-se ver um filme onde é outro o exibido?
A questão torna-se pertinente com «Bunker», a curta-metragem a preto-e-branco rodada no ano transato por Sandro Aguilar na Costa da Caparica e cuja sinopse, tal qual aparece no respetivo site, parece dissemelhante  da que inicialmente entenderamos, quando não detínhamos tal explicação.
Eis o que viemos a saber posteriormente na consulta ao endereço da produtora «O Som e a Fúria»: «Uma jovem adolescente, instalada com os pais (um casal de swingers) num parque de campismo, conhece um recruta emocionalmente instável e descobre-se fascinada pelos seus poderes especiais. Ele apaixona-se por ela mas cedo descobre que o seu amor não é correspondido.»
Se pouco do que vimos coincide com este resumo, em compensação pareceu-nos vislumbrar um ambiente apocalítico com um número reduzido de sobreviventes em vias de também eles cederem a uma qualquer contaminação invisível, e vivendo as derradeiras horas entre a urgência de um último ato sexual e a angústia de nada poderem fazer para contrariar o desenlace fatal.
Para justificar esta leitura alternativa temos uma sucessão de cenas em que predomina a escuridão, o que não se vê e é sugerido. Nesse sentido evoca-se Tarkovski, sobretudo no seu «Stalker», com as escassas construções estão, já sem sinais de estarem a ser utilizadas para os objetivos dos que as haviam em tempos edificado.
Os diálogos são (quase) inexistentes e existe um prodigioso trabalho de montagem de sons e sua mistura, que acentua o clima de inquietação em que todos parecem mergulhar. Nesse aspeto essa vertente do filme constitui por si só uma personagem bem definida por si própria.
Aguilar confirma-se como um dos realizadores com um estilo mais identificável dentro da via original por que tem apostado, constituindo um dos que mais facilmente reconhecemos nas propostas da sua filmografia. Nesse sentido é dos que mais nos permite responder afirmativamente à questão com que se inicia este texto: os seus filmes são suficientemente abertos para que nos não cinjamos ao que é a sua estória, permitindo-nos, a partir dela, recriar as que nos possam estar a assombrar a cada instante.

https://vimeo.com/150265455

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