quarta-feira, dezembro 07, 2016

(DIM) Sabemos para onde vamos, mas desconhecendo com que custos

Ao ver um programa televisivo sobre as mais recentes estreias nos cinemas nacionais constatamos que o enfoque publicitário vai para as grandes produções protagonizadas por atores reconhecidos como garantes de boas receitas («Aliados», com Brad Pitt e Marion Cotillard) ou com o tipo de temas procurados pelos adolescentes como pretexto para comerem pipocas e beberem coca-colas (mais uma eniésima versão de filmes de vampiros construídos com a habitual parafernália de efeitos especiais).
A eleição de Trump e a ascensão das extremas-direitas como sintoma da exigências dos mais timoratos com os efeitos das mudanças sociais e tecnológicas em curso pode significar uma transformação nos gostos já expressa com a Palma de Ouro de Cannes atribuída ao filme de Ken Loach, que aqui temos repetidamente valorizado nos dias mais recentes: «Eu, Daniel Blake».
É que se a classe trabalhadora tem orientado mal as suas escolhas políticas, não deixa de parecer inconformada com a tentativa de silenciamento da sua voz e aspirações. A fase em que pareceu acomodar-se à ideia de ser sua exclusiva culpa não encontrar emprego digno desse nome ou qualidade de vida bastante para substituir as frustrações pela esperança, está a dar lugar  a outra em que, mesmo apoiando quem dela tenta cavalgar em nome de valores sinistros,  exige ser ouvida e respeitada. Assim saibam as esquerdas identificar, compreender e canalizar a expressão desse crescente protesto e traduzi-lo numa estratégia política reorientada para os grandes objetivos transitoriamente perdidos com as fraudulentas Terceiras Vias.
Esse clamor de desencanto à espera de se integrar num consistente movimento de protesto, também aparece noutro filme que por aí anda, intitulado «Estive em Lisboa e lembrei de você». Realizado pelo português José Barahona cuida do triste percurso dos que atravessaram o oceano atraídos pela possibilidade de aqui encontrarem uma espécie de Eldorado e acabam por se ver humilhados por quem lhes explora as fragilidades. O retrato de nós traçado - um país colonizador, que não quer ser colonizado - é pouco lisonjeiro. E o mais comum neste tempo em que funciona o cada um por si e Deus contra todos, é não se encontrarem mais soluções alhures do que aquelas igualmente sonegadas onde se (sobre)vive.
Ganham, pois, superior interesse os filmes que conciliam o lado ficcional com o documentário objetivo das realidades existentes. E podem até só cingir-se a esta última vertente como ocorre com «Eis o Admirável Mundo em Rede» do alemão Werner Herzog. Ele aborda a história e os futuros possíveis da economia digital com o sentido pedagógico de dar a conhecer algo ainda pouco divulgado sobre o quanto irão mudar as nossas vidas.
Herzog traz-nos o desafio de uma mudança de paradigma, que muito tem a ver com o sofrimento de Daniel Blake ou do brasileiro Sérgio, porque muito do que fundamentava o direito ao trabalho de milhões de pessoas, passa a ser produzido por algoritmos de sofisticados programas de software. Trata-se, pois, de uma proposta cinéfila de testemunho deste momento histórico em que se vislumbra nitidamente para que tipo de futuro evoluímos, mas em que quem dele fica marginalizado ainda detém capacidade bastante para lhe procurar quixotescamente travar o passo.


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