Em 2003, quando este filme foi produzido e distribuído pelos mais prestigiados festivais de cinema europeus, acreditava-se que o Irão estava à beira de inflectir o rumo definido pela revolução dos ayattollahs. Não se vislumbrava, ainda, o passo atrás dado pela eleição de Ahmenidejad.
Oito anos depois os criadores deste filme estão ostracizados da realidade do seu país: o realizador, Jafar Panahi está preso por delito de opinião, e o argumentista, Abbas Kiarostami exilou-se.
É à luz dessa realidade, que hoje vemos esta história reveladora do estado de luta de classes em Teerão, em que a separação entre ricos e pobres é aguda e uma preconceituosa policia dos costumes persegue assanhadamente quem se atreve a dançar e a folgar.
Hussein, o analfabeto distribuidor de pizzas nas horas nocturnas e ladrão de esticão durante o dia tem uma percepção muito lúcida sobre essa injusta distribuição da riqueza. Ele bem gostaria de casar com a irmã do comparsa, Ali, e ter uma vida de algum conforto, mas os seus rendimentos são exíguos. Pior que isso a sua pobreza sujeita-o a desprezos e humilhações, que lhe revoltam o âmago.
Se decide avançar para um golpe audaz: o assalto a uma ourivesaria apenas acessível aos ricos constitui a oportunidade para enriquecer e para se fazer respeitar por quem o destratou.
Infelizmente para ele tudo corre mal e, antes que chegue a polícia para o prender, Hussein prefere meter uma bala na cabeça.
Mas não é só o carácter fascista do regime islâmico, que surge aqui retratado. Tal qual acontecia nesse filme anterior, ainda mais revelador de tal cenário («O Círculo») a triste condição da mulher iraniana é aqui evidenciada através da forma como os homens as comentam, as destratam, as sujeitam a esconderem-se nos seus véus.
Se viver nas democracias burguesas ocidentais nos dá ensejo de presenciar revoltantes injustiças, num regime fundamentalista islâmico como o do Irão, elas estão ainda mais omnipresentes à nossa volta...
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