quarta-feira, janeiro 05, 2011

Cinema: HOMENS QUE MATAM CABRAS SÓ COM O OLHAR de Grant Heslov

A guerra ao Iraque lançada por George W. Bush tenderá a tornar-se cada vez mais abordada pelo cinema contemporâneo à medida que a História se for distanciando dos acontecimentos, que lhe estiveram na origem.
Se as primeiras tentativas embateram fragorosamente na incapacidade do público norte-americano em aceitar a tenebrosa maquinação política em que se deixara envolver e as suas consequências na destruição anímica de toda uma geração de jovens ali comprometidos - recorde-se, por exemplo, «O Vale de Elah» de Paul Haggis em 2007 - as mais recentes começam a ter outra receptividade.
No caso deste filme de Grant Heslov a precaução com que se trabalha o tema passa por duas constatações imediatas: a primeira é a de se tratar de uma produção aparentemente britânica (da BBC Films), embora na realidade levada por diante graças ao empenhamento de George Clooney. E depois, porque se abordam os aspectos mais óbvios do militarismo norte-americano (uma leitura desviada da realidade, a tortura a prisioneiros, a liberdade de acção conferida aos mercenários no terreno) sob a capa de uma comédia, que tem momentos particularmente bem conseguidos na capacidade de suscitar o riso.
O narrador é Bob Wilton, jovem jornalista do Michigan, interpretado por Ewan McGregor, uma vez mais fadado para papéis de ingénuo idealista capaz de se espantar com tudo e de lhe sofrer as consequências (às vezes bem dolorosas).
Decidido a provar à ex-mulher as qualidades de coragem, que não tem, decide ir como free lancer para o Koweit, na expectativa de conseguir entrar no vizinho Iraque. A sorte - ou será uma qualquer manifestação de transcendência universal? - põe-no em contacto com Lyn Cassidy (George Clooney), que lhe fora descrito em reportagem anterior como uma espécie de espião psíquico.
À medida que o vai acompanhando no interior do país em guerra fica a conhecer a singular história da unidade militar de Fort Bragg a que ele pertencera: o exército da Nova Terra organizado por um veterano do Vietname, Bill Django (Jeff Bridges), que convencera o Pentágono das vantagens de formar um conjunto de militares especiais capazes de contrabalançarem os avanços militares soviéticos no terreno do paranormal, mesmo que à custa da utilização intensiva do LSD.
Raptados por bandidos, envolvidos em batalhas entre empresas de mercenários, perdidos no deserto e finalmente resgatados por um sucedâneo da velha unidade de Fort Bragg, os dois parceiros, associados ao referido Bill, irão lançar a sua guerra de libertação dentro do Exército invasor: soltando os prisioneiros, que estavam a ser torturados e as cabras destinadas a servir de cobaias em experiências científicas.
Imagem contundente essa em que as barreiras da unidade norte-americana são derrubadas e quem estava a ser violentado recupera a ansiada liberdade. A começar pelos proscritos Bill e Lyn, que desaparecem nos céus no helicóptero obtido na devastada base.
E se Bob comprova a dificuldade com que a verdade pode ser transmitida aos leitores ou aos espectadores das cadeias de televisão - apenas informados dos aspectos mais secundários e anedóticos de uma realidade monstruosa - ele dá a resposta necessária na derradeira imagem do filme: aquela em que se projecta contra a parede aparentemente intransponível à sua frente e a consegue atravessar.
Não podia existir melhor metáfora para demonstrar a importância de investir com determinação contra os muros, que nos coarctam, mesmo quando eles parecem ter uma solidez a toda a prova.
E assim se demonstra como um suposto entretenimento consegue ser mais eficaz na exposição do seu tema do que a maioria dos chamados filmes militantes...

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