segunda-feira, março 06, 2017

(DL) Um Ninho de Mentiras, segundo Elizabeth George

Confesso apreciador de policiais - embora com um fraquinho particular por Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Henning Mankell - levei muitos anos a abordar a prolífica obra de Elizabeth George. E, como ando em maré de calhamaços ataquei as seiscentas páginas de «Um Ninho de Mentiras», título português de «A Place of Hiding», que foi publicado pela primeira vez em 2003.
Quase inteiramente passado na ilha de Guernesey, uma das situadas no Canal da Mancha e cujo paraíso fiscal atrai muitos milionários apostados em porem as fortunas a salvo dos ímpetos fiscais dos respetivos governos, vale bem mais pela caracterização do ambiente sociológico de quem ali vive do que pela intriga relacionada com o crime que vitima Guy Brouard, um rico proprietário ali refugiado depois de uma bem sucedida carreira nos negócios imobiliários transnacionais.
À medida que um improvável par de investigadores privados  - o casal St. James, cuja conjugalidade anda bastante periclitante! - avança nas sucessivas pistas, que possam explicar os porquês do homicídio, vão-se descobrindo os lados sombrios de todos quantos contactam. A começar pelo morto, cuja propensão pedófila é explorada como possível causa do sucedido. Mas há também o “herói” da Resistência local durante a Segunda Guerra Mundial, desejoso de se ver reconhecido através de um museu com a memorabilia desde há muito acumulada, e subitamente desmascarado como o traidor, que se infiltrara na atividade clandestina para entregar aos nazis os que nela os combatiam.
Existe, igualmente, a ganância dos que se julgam com mais direitos do que quaisquer outros herdeiros à riqueza acumulada pelo morto. E o relacionamento ambíguo entre um par de irmãos californianos, cuja cumplicidade esconde afinal o desejo de vingança de um deles, China River, sobre o outro.
Após tantas voltas  e reviravoltas quanto à comprovada identidade do assassino, podemo-nos questionar se se justificariam tantas páginas. Bastaria metade para ficarmos a saber exatamente o mesmo. Mas a autora consegue manter a curiosidade sem que sintamos exageradas as estratégias de “encher chouriços”.
Em causa estará afinal a posse de valioso quadro, que o assassinado e a irmã tinham conhecido em casa dos pais, antes de toda a família ver-se desmoronada pelo vórtice do Holocausto, e cuja redescoberta cria as condições para se manifestar a intenção criminosa de quem nele vê a oportunidade de vir a mudar de vida.
Elogie-se a autora por não existirem aqui tentações maniqueístas: nem os bons o são na plenitude, nem os mauzões se destacam pela crapulice.
O que ainda não consegui perceber foi a razão porque, sendo tão inequivocamente norte-americana, a escritora opta por situar a grande maioria dos seus romances em territórios da Sua Majestade.

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