quarta-feira, março 15, 2017

(DL) A Psicanálise dos ditadores

A propósito de a publicação de um texto inédito de Freud, datado de 1931, o «L’Obs» foi  entrevistar a psicanalista e historiadora Elisabeth Roudinesco que lembra como, antes de Donald Trump, os Estados Unidos contaram com outro presidente tão mentalmente ambíguo como ele: Thomas W. Wilson, que ocupou a Casa Branca entre 1913 e 1921.
Filho de um pastor presbiteriano, Wilson sempre viveu obcecado com a imponente figura paterna, situação agravada pelos numerosos problemas cerebrais de que foi sendo acometido e suscetíveis de lhe afetarem o discernimento. Por isso mesmo julgava-se eleito de Deus e benfeitor da Humanidade. Freud via-o como um louco, que pretendia passar por Messias, ou seja um déspota iluminado. Teria sido, aliás, ele um dos mais acirrados defensores das humilhações impostas à Alemanha através do Tratado de Versalhes de 1919, que daria aso à ascensão dos fascismos.
Wilson é, pois, um bom exemplo para aferir o problema de coexistirem num governante nevroses, pulsões, obsessões.
É certo que Lincoln era dado à melancolia, mas soube liderar o país em circunstâncias muito difíceis. Nixon sofria de patologia conspirativa e adorava colocar escutas aos adversários políticos mas, não tivesse ocorrido o caso Watergate, seria reconhecido como um político muito hábil. E nem Kennedy com a sua hipersexualidade ou Lyndon Johnson obcecado pela dimensão avantajada do pénis (o «Jumbo») prejudicaram a função presidencial com as suas taras.
Freud não conheceu estes últimos, mas reconheceu em Wilson o protótipo do que de pior poderia caracterizar um presidente ao convencer-se que a América constituiria a personificação do Bem no combate maniqueísta contra o Mal absoluto. Não representou algo de tão monstruoso como Hitler, mas patologicamente não seria particularmente diferente. 
Em 1945 os processos de Nuremberga  pretextaram a questão de se saber até que ponto o mundo poderia ser governado por monstros, cuja loucura seria traduzida pela banalização da morte de milhões de pessoas. Houve pois quem estudasse a infância de Hitler procurando nela detetar a explicação para a sua psicopatologia.
Sagazmente, Ian Kershaw cuidou de desvalorizar esses estudos, porque o nazismo era bem mais do que a expressão da loucura de um só homem. Mais relevantes tinham sido as explicações económicas, que haviam possibilitado a criação de um sistema totalitário facilitador de todas as perversões cometidas à sua pála. A possibilidade de se conduzir os ditadores a divãs para serem “curados” em sessões psicanalíticas poderia ser tentadora, mas a realidade não se ajusta a tão primária leitura.
Mesmo Trump é bem mais do que o revelado pelo seu infantilismo e narcisismo.  O nepotismo que o leva a rodear-se de familiares e amigos ou o desrespeito pela separação de poderes, conjugados com a vulgaridade e incultura, são pormenores com o seu quê de folclórico em relação ao essencial: o dele constituir o protagonista de uma fase da luta de classes, que prenuncia grandes mudanças na América da próxima década. E de que ele terá sido derradeiro representante da faceta mais selvagem de um tipo de capitalismo a chegar ao seu fim.

 

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