domingo, março 19, 2017

(DIM) «AS SUFRAGISTAS» de Sarah Gavron (2015)

Há poucos dias passou mais uma comemoração do Dia Universal da Mulher, com um golpista brasileiro arvorado em presidente a associar o segundo sexo ao mester de fazer boas compras nos supermercados ou, dias antes, um troglodita polaco a assombrar o Parlamento Europeu com um discurso cavernícola.
Não precisamos de pensar nas mulheres das sociedades árabes para ter a noção do longo caminho ainda por cumprir para as ver reconhecidas como a metade do céu, que urge promover. Vale a pena, aliás, o pioneirismo das revoluções comunistas do séc. XX ao darem à mulher o estatuto de igualdade em direitos e deveres, que os países capitalistas tardaram em reconhecer.
A Rússia de Lenine, a China de Mao Tsé Tung ou a Cuba de Fidel de Castro foram irrepreensíveis nessa justa legislação para com as mulheres. As afegãs, por exemplo, nunca foram tão prezadas na lei como durante o período de Najibullah, que Reagan cuidou de derrubar. E o mesmo com as mulheres polacas, que viram a transição para a Democracia, significar uma redução abusiva de direitos (daí o discurso do troglodita). E que dizer das mulheres líbias ou iraquianas após as mortes respetivas de Kadhafi ou Saddam?
O que espanta é andar por aí tanta gente a olhar para a Democracia como a antítese do Comunismo, quando este, mesmo nas versões dele muito desviadas, comportaram características muito mais democráticas para as mulheres e outros setores da sociedade do que as vivenciadas no mundo capitalista, onde as liberdades pouco mais são do que formais. Porque pode dizer-se que existe liberdade de imprensa quanto ela está totalmente detida por um pequeníssimo núcleo de plutocratas? Existe liberdade religiosa quando os fanáticos do catolicismo pretendem obstar os ateus, e não só, a concretizarem nas questões do aborto ou da eutanásia as suas próprias crenças? Existe sequer liberdade de existir, quando uns poucos tudo têm (vide o obsceno salário de António Mexia) e os demais vivem entre o remediado e a extrema necessidade?
Existe uma enorme mistificação em torno do que é a Democracia e a Liberdade, com os defensores da desregulação dos mercados a atirarem eficaz areia para os olhos dos que passam vidas inteiras acossados por deveres sem quase usufruírem dos direitos inerentes a uma vida feliz.
Vem esta longa introdução a propósito de «As Sufragistas», um filme de Sarah Gavron, visto por estes dias, e que evoca a difícil luta das mulheres inglesas do início do século XX em prol do direito a serem reconhecidas como eleitoras.
A ideia para concretizar o projeto teve origem num episódio histórico: em 4 de junho de 1913 Emily Wilding Davison causou a estupefação das sociedades europeias e americanas ao aproveitar o Derby de Epsom para se fazer atropelar por um dos cavalos mesmo em frente à tribuna onde estava o rei Jorge V. Nos quatro dias em que esteve moribunda a sociedade inglesa ficou suspensa do que significara esse gesto desesperado com o governo a adivinhar a força que, com aquela mártir, o movimento sufragista conquistaria.
Sendo esse episódio o desiderato do filme, a realizadora conduz os espectadores a conhecer as circunstâncias em que ele ocorreu. Para tal escolheu para protagonista, Maud (Carey Mulligan), que de empregada numa lavandaria, apenas preocupada com o marido e o filho, conseguiu ganhar súbita consciência política ao deparar com uma ação militante das reprimidas sufragistas. Empurrada, quase sem se dar conta, para a condição de porta-voz das operárias numa audição parlamentar, fez-se testemunha das horas de trabalho que elas cumpriam a mais do que os homens apesar de receberem paga bem menor.
Não adivinhava então as pesadas consequências do seu empenho por maior justiça: o marido expulsa-a de casa e entrega o filho para adoção e as frequentes agressões e passagens pela prisão, constituem um martírio, que não dissuade a sua determinação. Lamentavelmente sem conseguir que as demais operárias a sigam, porque demasiado temerosas das consequências pessoais, nela espelhadas.
Compreende-se, assim, a coragem desesperada de Emily naquela tarde de festa em Epsom: só algo de profundamente chocante poderia levar a sociedade profundamente misógina de então a reconhecer o papel político e social da mulher.
Entre o percurso de Maud e o sacrifício de Emily, o filme enfatiza a importância histórica de Emmeline Pankhurst (Meryl Streep), que viveu longa clandestinidade, preparando as estratégias, que as suas perseverantes apoiantes tratavam de concretizar.~
Um século depois destes acontecimentos nada está ganho em definitivo - vide como em Angola a Igreja Católica está a agir indecorosamente para reverter os direitos das mulheres! - e  quase todos os indicadores revelam como as mulheres são as mal pagas ou preteridas para cargos de chefia, quando comparadas com homens nem mais talentosos nem dotados nas respetivas áreas de atividade. São elas as violentadas por maridos ou namorados abjetos. Ou exploradas sexualmente por proxenetas sem escrúpulos.
Valendo pela irrepreensível reconstituição histórica, o filme de Sarah Gavron supera-se na pertinência do tema. Não é elucidativo, que quase tenha passado despercebido nos ecrãs, quase não merecendo qualquer atenção pelos críticos de cinema dos nossos jornais?


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