quarta-feira, março 15, 2017

(DL) Siri Hustvedt e o machismo precário

Quando muitos pensavam que o maior desastre político do ano de 2016 teria sido o Brexit,  a eleição de Trump veio mostrar que o pior estava por vir: quase metade dos americanos elegeram um homem abertamente misógino que se chegou a vangloriar das agressões sexuais cometidas contra as mulheres.  Algo que não terá impressionado negativamente 53% do eleitorado feminino branco, porquanto nele votou!
Os homens e as mulheres que escolheram Trump disseram que lhes fora roubado um passado maravilhoso em que tinham acreditado. Com empregos para todos os homens, eletrodomésticos quanto bastassem para as mulheres e muita diversão para os filhos.
Bem se pretendeu desmistificar essas ideias feitas de uma realidade, também ela marcada negativamente por dificuldades e preconceitos, que quase todos esqueceram.  Como interpretar então esse voto?
Siri Hustvedt, escritora e feminista nova-iorquina, há muitos anos casada com Paul Auster, vê no fenómeno a ascensão de um machismo reacionário acompanhado de uma recaída nos estereótipos de género que se julgavam definitivamente ultrapassados. Por isso todos que os olham como sintomas de um neofascismo inquietante devem congregar esforços para os vir a derrotar.
O fenómeno não se cinge ao outro lado do Atlântico: também na Europa os populistas tratam de promover uma imagem inquietante dos homens. Razão para a escritora falar de um «machismo precário»: enquanto a feminilidade é entendida como um estado biológico consolidado, os homens revelam-se obcecados pela  virilidade. Este retorno ao machismo é, como de costume, alimentado pelo desprezo relativamente às mulheres. Porque muitos dos votantes em Trump foram homens, que perderam os empregos nas fábricas , entretanto deslocalizadas para países asiáticos. E que encaram com despeito a competitividade assumida pelas mulheres para os cargos mais prestigiados e melhor  remunerados, dada a superioridade da sua formação académica.
Esses despeitados perante a ascensão feminina na sociedade tomam Donald Trump como a imagem clássica do homem forte jamais travado nos seus destemperos verbais.
Aquele que não se afirma diariamente uma sexualidade arrogante e agressiva é visto como permeável às armadilhas femininas, senão mesmo desqualificado como homossexual. Para evitar esse machismo precário é necessário começar por analisá-lo e encontrar a forma mais expedita para o derrotar.
Na realidade os iludidos duros não o são assim tanto.  Motiva-os a insegurança da  precariedade do mundo onde se sentem fragilizados, derrotados. E temem ver-se expostos na inequívoca fragilidade num mundo onde já pouco conseguem fazer de motu próprio para o moldarem à imagem e semelhança dos seus evanescentes fantasmas interiores.

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