segunda-feira, março 20, 2017

(DL) «A PÉ PELO PARAÍSO» de Luís Carmelo (II)

1. E se dois desconhecidos  tentassem abrir o mesmo automóvel num parque de estacionamento, reivindicando ambos a sua pertença? O que poderia suceder?
Ela descobrira uma vacina miraculosa, mas o mérito e o proveito fora-lhe espoliado sem que o pudesse impedir.  Ele comprara a viatura a alguém relacionado com o mesmo laboratório.
Quase por impulso decidem tomar a estrada e conduzem horas a fio, subindo a alta montanha, que lhes surgira por diante. Até que um javali a atravessar a estrada lhes causa o fatal acidente.
Que metáforas extrair de tal história intitulada «O Olho do Javali»? Muitas! Tantas quantas no-lo permite a imaginação. E, em grande parte, diferentes das pensadas pelo autor. Mas não é esse um dos desafios da escrita de Luís Carmelo?
2. Em «A Nuvem Gigante», Edmundo conhece Albe numa breve estadia na Costa Brava, em 1966, quando quisera livrar-se momentaneamente do cinzentismo salazarento de Lisboa.
Tinha-a visto  na piscina, confundindo-se com o seu aceno, afinal dirigido ao pai, que estava ali quase ao lado. Mas, fascinado por ela, acaba por a tornar a futura companheira da sua vida.
Até aqui tudo parece canónico.  Mas surge outra personagem, António Romeu, a quem duas dúzias de anos atrás, Edmundo fizera seu confidente sobre o amor por Albe. Razão para  lhe vir, tanto tempo depois, contar  o seu próprio segredo: acabara de ganhar a lotaria, abandonando de imediato a família e a pacatez da vida ribatejana onde sempre vivera. Agora instalara-se numa suite no Penta, decidido a levantar-se à hora que lhe aprouvesse, comesse o que lhe apetecesse e dormisse com quem conseguisse. Trata-se, em suma, de viver na liberdade absoluta, causando inveja ao companheiro de infância, já incomodado com o aburguesamento da sua relação com Albe.
Os anos passam e, afinal a liberdade de Romeu conhece triste desenlace, com ele transformado em sem abrigo. Quanto a Edmundo, apesar das contrariedades, ainda sente a capacidade de reviver com Albe alguns daqueles momentos mágicos em tempos partilhados.
3. O último conto do livro intitula-se «O Cometa» e tem por protagonista um homem acometido de súbito ataque cardíaco numa pastelaria lisboeta. Assiste-o a filha do colega da Universidade do Cairo com quem combinara ali encontrar-se, mas a troca até lhe convém: antes de exalar o derradeiro suspiro entrega a Clara dois livros antigos e, sobretudo, uma carta para ela ler daí a um ano na Montanha da Lua, É nela que lhe confessa sempre tê-la amado, apesar de a ter conhecido desde que nascera  e tantos anos os separarem...

Sem comentários: